Grávidas dão razão a especialistas mas queixam-se de demoras
Menos consultas durante a gravidez e a demora no atendimento das urgências preocupam mulheres grávidas
Mais de 60% dos três mil enfermeiros especialistas em saúde materna não estão a ser remunerados como tal
Juliana Martins, de 32 anos, está grávida de 37 semanas (quase nove meses) e teve, até à data, apenas duas consultas. “Estive um mês à espera de uma consulta por causa da diabetes gestacional e só tive duas consultas desde que fiquei grávida”, disse. Mãe pela segunda vez, explicou ao DN a diferença entre esta gravidez e a do filho mais velho, de 7 anos. “Tive muito mais acompanhamento do meu mais velho, mais consultas e um atendimento mais rápido quando precisei”, afirmou. Juliana disse ainda que “as enfermeiras estão exaustas” e a dar “o máximo que podem para nada falhar”.
Ouvida pelo DN nesta semana, a jovem salientou concordar com o protesto, que considerou “uma reivindicação válida”. “O trabalho das enfermeiras é essencial e têm direito a ser reconhecidas, só é pena que seja o utente a pagar a fatura. Ficamos muito mais tempo à espera para sermos atendidas, o que nesta fase da vida de uma mulher se torna difícil”, concluiu.
Encontramos Sandra Silva, grávida de 34 semana (cerca de 7,5 meses), junto às urgências do Centro Materno-Infantil no Porto. É aí que admite ter a mesma visão de “justiça para os enfermeiros especialistas”. “Só noto diferença no tempo de espera, mas não posso julgar as enfermeiras. Se estudaram para ser especialistas e fazem o trabalho de especialistas, só têm de lutar pelos seus direitos. Como é o meu primeiro filho estou ansiosa, mas acredito que nada vai falhar no dia do parto.”
Foi a “qualidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que levou Maria Ferreira, de 39 anos, a voar de Angola para Portugal, há uma semana, para o parto que se aproxima. Com uma gestação de 32 semanas, a angolana lamentou apenas sentir “o serviço mais demorado”, comparando com a experiência que teve há um ano e meio, quando do nascimento da primeira filha. “Apenas noto que faltam pessoas, mas a qualidade manteve-se. Maria foi surpreendida com este protesto, mas se tivesse sabido antes teria vindo para Portugal na mesma. Aqui o serviço é bom”, contou. E é este “serviço de especialidade” sem reconhecimento na carreira que está na base do protesto dos enfermeiros especialistas em saúde materna.
Aqueles profissionais exigem há oito anos ver reconhecido o título de especialista, com o devido ajuste financeiro. Em 2009, a carreira de enfermagem deixou de contemplar a categoria de enfermeiro especialista, num acordo assinado entre os sindicatos e a tutela, para que os enfermeiros pudessem concorrer a vagas de enfermeiros generalistas, caso não houvesse lugares a concurso para especialistas. Os enfermeiros reclamam que, desde então, muitos foram contratados como generalistas, mas para funções de especialista, com diferenças salariais significativas.
Há cerca de três mil enfermeiros especialistas em saúde materna em Portugal. Segundo a Ordem dos Enfermeiros, 60% a 70% daqueles profissionais não estão a ser remunerados como especialistas, embora exerçam funções de especialidade, nomeadamente de parteiros. A especialidade é um investimento do enfermeiro, chegando a valores que rondam os dez mil euros, e traduz-se em dois anos e meio de formação.
O protesto começou no início de julho e tem-se intensificado nas últimas semanas. Mais de uma centena de enfermeiros entregaram o título de especialidade na Ordem, numa clara posição de força que visa impedir que sejam obrigados a exercer funções de especialistas. Uma medida que já foi considerada ilegal pela tutela, que ameaçou aqueles profissionais de saúde com a marcação de faltas injustificadas e processos disciplinares. A tutela e os sindicatos não chegaram a acordo e os enfermeiros optaram por avançar com uma greve.