Novo Banco fragiliza Portugal nos mercados
O processo de recompra de obrigações do Novo Banco poderá resultar numa subida do custo da dívida. A reputação de Portugal sai manchada, tenha a operação sucesso ou não
Portugal pode sofrer um aumento no custo da dívida devido à operação de recompra de obrigações que o Novo Banco tem em curso. Os grandes credores do banco, incluindo a Pimco, falharam as assembleias gerais de obrigacionistas para aprovar o reembolso antecipado de dívida. E estão longe de estar satisfeitos com as autoridades portuguesas. Mesmo que acabem por ceder a esta oferta que envolve perdas para os credores, os grandes investidores estrangeiros poderão não voltar a investir em dívida portuguesa.
Nesta semana o Banco Central Europeu (BCE), que tem sido o principal fator a manter baixas as taxas de juro da dívida soberana portuguesa, já deu sinais de no futuro começar a abandonar a compra de dívida, ainda que gradualmente. Sem a rede do BCE, Portugal vai precisar de investidores como a Pimco para conseguir financiar-se no mercado a custo sustentável. Sair do território de lixo é agora mais importante do que nunca. Os grandes obrigacionistas do Novo Banco já tinham sido prejudicados com a transferência de 2,2 mil milhões de euros em obrigações sénior para o BES mau no final de 2015.
“Isto tem impacto. Primeiro pelo ruído negativo, depois porque ainda não saímos de lixo e em terceiro porque o BCE está a pensar reduzir as compras de dívida”, afirmou Luís Tavares Bravo, economista da DIF Broker, ao DN/Dinheiro Vivo. “Nós temos de sair de lixo”, adiantou. “Penso que se os grandes fundos decidirem retirar-se (da dívida portuguesa) pode trazer-nos problemas”, salientou Luís Bravo.
Portugal tem acesso ao programa de compra de ativos do BCE graças ao rating de grau de investimento da agência canadiana DBRS, a única das quatro consideradas pelo banco central. As três principais agências mundiais mantêm Portugal em território de lixo e só é previsível que uma ou mais possam subir a notação do país num horizonte igual ou superior a 12 meses.
“Dada a dimensão desses investidores, se deixarem no futuro de comprar dívida pública portuguesa o efeito imediato é o aumento do custo da dívida”, afirmou Filipe Silva, diretor de gestão de ativos do Banco Carregosa. “O que neste momento não é preocupante, porque temos o BCE a comprar dívida portuguesa, pode ser no futuro quando o país voltar a ter de se financiar totalmente no mercado”, adiantou.
Em agosto, o BCE reduziu em 103 milhões o volume mensal de compras de dívida portuguesa para o nível mensal mais baixo de sempre, e bem abaixo do volume permitido de compras pelo BCE. O banco central comprou em julho 517 milhões de euros de títulos portugueses face a 414 milhões de euros em agosto.
“Ao impacto nos juros da dívida junta-se o impacto da má reputação. Em qualquer caso, não é algo que Portugal precise”, afirma Filipe Silva. “Se as agências de rating subirem a notação de risco do país, resolve-se. Há investidores que acabam por ficar expostos a dívida europeia, incluindo a Portugal, nem que seja em 0,5%”, diz Luís Bravo.
Para Filipe Garcia, economista da IMF-Informação de Mercados Financeiros, “se no futuro o tema (boicote de grandes investidores) ganhar materialidade, haverá maneira de reconquistar o interesse e a relação desses institucionais.”
“A evolução da dívida em relação ao produto interno bruto, que não está a ser tão positiva quanto poderia ser tendo em conta o crescimento da economia acima do inicial- mente esperado e o serviço da dívida historicamente muito baixo, parece-me ser uma vulnerabilidade muito mais relevante para o médio e longo prazo”, sublinha. No final de julho, a dívida pública na ótica de Maastricht voltou a subir para um nível recorde de 249 165 milhões de euros face a 249 084 em junho. Atingiu assim os 132,4% do PIB, segundo dados do Banco de Portugal. E, de acordo com o IGCP – Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública, o custo da dívida pendente tem vindo a descer nos últimos anos, fixando-se em 3,2% em 2016, mas o custo da dívida emitida por ano tem registado uma subida, de 2,7% em 2015 para 3,1% em 2017 (dados até julho).
De acordo com o relatório Sustentabilidade das Dívidas Externa e Pública, elaborado por PS e BE, 102 mil milhões de euros, ou 43% dos 236 400 milhões de euros de dívida pública portuguesa registados no final de 2016, estavam nas mãos de fundos europeus: FMI, BCE e Bando de Portugal. Até 2021, Portugal estima precisar de ir ao mercado emitir 69,3 mil milhões de euros em dívida de médio e longo prazo.
Tudo em aberto no Novo Banco A operação de recompra de obrigações do Novo Banco poderá ter impacto no custo dessas emissões, mesmo que seja bem-sucedida. Para já, quanto ao seu desfecho, mantém-se tudo em aberto. Nas assembleias gerais de sexta-feira, dia 8 de setembro, ficou aprovada a resolução do reembolso antecipado de 2343 milhões de euros. O montante corresponde a 28% do total da dívida em oferta de 8,3 mil milhões de euros. Foram realizadas 36 assembleias gerais relativas às 36 linhas de obrigações abrangidas pela oferta. Nesta primeira convocatória os grandes investidores, incluindo a Pimco, não compareceram. Estes detêm mais de 30% do total da dívida do Novo Banco.
Era necessário reunir o quórum de dois terços e obter uma maioria qualificada de votos favoráveis de 75%. Em nove das 36 séries o quórum foi alcançado e a maioria atingida. Das restantes 27 séries de obrigações, em 15 houve quórum mas não foram alcançados os votos necessários para a aprovação da resolução de reembolso antecipado. Nas 12 séries restantes o número de participantes foi insuficiente, tendo sido convocada uma segunda assembleia geral para 29 de setembro, em que só será necessário um quórum de um terço.
A oferta termina a 2 de outubro e até lá os obrigacionistas ainda podem aceitar vender os seus títulos. Esta operação visa obter uma poupança de 500 milhões de euros e é condição para a conclusão da venda do Novo Banco à Lone Star.