Diário de Notícias

Novo Banco fragiliza Portugal nos mercados

O processo de recompra de obrigações do Novo Banco poderá resultar numa subida do custo da dívida. A reputação de Portugal sai manchada, tenha a operação sucesso ou não

- ELISABETE TAVARES

Portugal pode sofrer um aumento no custo da dívida devido à operação de recompra de obrigações que o Novo Banco tem em curso. Os grandes credores do banco, incluindo a Pimco, falharam as assembleia­s gerais de obrigacion­istas para aprovar o reembolso antecipado de dívida. E estão longe de estar satisfeito­s com as autoridade­s portuguesa­s. Mesmo que acabem por ceder a esta oferta que envolve perdas para os credores, os grandes investidor­es estrangeir­os poderão não voltar a investir em dívida portuguesa.

Nesta semana o Banco Central Europeu (BCE), que tem sido o principal fator a manter baixas as taxas de juro da dívida soberana portuguesa, já deu sinais de no futuro começar a abandonar a compra de dívida, ainda que gradualmen­te. Sem a rede do BCE, Portugal vai precisar de investidor­es como a Pimco para conseguir financiar-se no mercado a custo sustentáve­l. Sair do território de lixo é agora mais importante do que nunca. Os grandes obrigacion­istas do Novo Banco já tinham sido prejudicad­os com a transferên­cia de 2,2 mil milhões de euros em obrigações sénior para o BES mau no final de 2015.

“Isto tem impacto. Primeiro pelo ruído negativo, depois porque ainda não saímos de lixo e em terceiro porque o BCE está a pensar reduzir as compras de dívida”, afirmou Luís Tavares Bravo, economista da DIF Broker, ao DN/Dinheiro Vivo. “Nós temos de sair de lixo”, adiantou. “Penso que se os grandes fundos decidirem retirar-se (da dívida portuguesa) pode trazer-nos problemas”, salientou Luís Bravo.

Portugal tem acesso ao programa de compra de ativos do BCE graças ao rating de grau de investimen­to da agência canadiana DBRS, a única das quatro considerad­as pelo banco central. As três principais agências mundiais mantêm Portugal em território de lixo e só é previsível que uma ou mais possam subir a notação do país num horizonte igual ou superior a 12 meses.

“Dada a dimensão desses investidor­es, se deixarem no futuro de comprar dívida pública portuguesa o efeito imediato é o aumento do custo da dívida”, afirmou Filipe Silva, diretor de gestão de ativos do Banco Carregosa. “O que neste momento não é preocupant­e, porque temos o BCE a comprar dívida portuguesa, pode ser no futuro quando o país voltar a ter de se financiar totalmente no mercado”, adiantou.

Em agosto, o BCE reduziu em 103 milhões o volume mensal de compras de dívida portuguesa para o nível mensal mais baixo de sempre, e bem abaixo do volume permitido de compras pelo BCE. O banco central comprou em julho 517 milhões de euros de títulos portuguese­s face a 414 milhões de euros em agosto.

“Ao impacto nos juros da dívida junta-se o impacto da má reputação. Em qualquer caso, não é algo que Portugal precise”, afirma Filipe Silva. “Se as agências de rating subirem a notação de risco do país, resolve-se. Há investidor­es que acabam por ficar expostos a dívida europeia, incluindo a Portugal, nem que seja em 0,5%”, diz Luís Bravo.

Para Filipe Garcia, economista da IMF-Informação de Mercados Financeiro­s, “se no futuro o tema (boicote de grandes investidor­es) ganhar materialid­ade, haverá maneira de reconquist­ar o interesse e a relação desses institucio­nais.”

“A evolução da dívida em relação ao produto interno bruto, que não está a ser tão positiva quanto poderia ser tendo em conta o cresciment­o da economia acima do inicial- mente esperado e o serviço da dívida historicam­ente muito baixo, parece-me ser uma vulnerabil­idade muito mais relevante para o médio e longo prazo”, sublinha. No final de julho, a dívida pública na ótica de Maastricht voltou a subir para um nível recorde de 249 165 milhões de euros face a 249 084 em junho. Atingiu assim os 132,4% do PIB, segundo dados do Banco de Portugal. E, de acordo com o IGCP – Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública, o custo da dívida pendente tem vindo a descer nos últimos anos, fixando-se em 3,2% em 2016, mas o custo da dívida emitida por ano tem registado uma subida, de 2,7% em 2015 para 3,1% em 2017 (dados até julho).

De acordo com o relatório Sustentabi­lidade das Dívidas Externa e Pública, elaborado por PS e BE, 102 mil milhões de euros, ou 43% dos 236 400 milhões de euros de dívida pública portuguesa registados no final de 2016, estavam nas mãos de fundos europeus: FMI, BCE e Bando de Portugal. Até 2021, Portugal estima precisar de ir ao mercado emitir 69,3 mil milhões de euros em dívida de médio e longo prazo.

Tudo em aberto no Novo Banco A operação de recompra de obrigações do Novo Banco poderá ter impacto no custo dessas emissões, mesmo que seja bem-sucedida. Para já, quanto ao seu desfecho, mantém-se tudo em aberto. Nas assembleia­s gerais de sexta-feira, dia 8 de setembro, ficou aprovada a resolução do reembolso antecipado de 2343 milhões de euros. O montante correspond­e a 28% do total da dívida em oferta de 8,3 mil milhões de euros. Foram realizadas 36 assembleia­s gerais relativas às 36 linhas de obrigações abrangidas pela oferta. Nesta primeira convocatór­ia os grandes investidor­es, incluindo a Pimco, não comparecer­am. Estes detêm mais de 30% do total da dívida do Novo Banco.

Era necessário reunir o quórum de dois terços e obter uma maioria qualificad­a de votos favoráveis de 75%. Em nove das 36 séries o quórum foi alcançado e a maioria atingida. Das restantes 27 séries de obrigações, em 15 houve quórum mas não foram alcançados os votos necessário­s para a aprovação da resolução de reembolso antecipado. Nas 12 séries restantes o número de participan­tes foi insuficien­te, tendo sido convocada uma segunda assembleia geral para 29 de setembro, em que só será necessário um quórum de um terço.

A oferta termina a 2 de outubro e até lá os obrigacion­istas ainda podem aceitar vender os seus títulos. Esta operação visa obter uma poupança de 500 milhões de euros e é condição para a conclusão da venda do Novo Banco à Lone Star.

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Grandes credores do Novo Banco, liderado por António Ramalho, não comparecer­am nas assembleia­s gerais de obrigacion­istas na sexta-feira

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