O amor em tempos de revolução
A Cinemateca apresenta o cinema não soviético que olhou a revolução de 1917 através de narrativas românticas
CICLO Aquela luz cálida sobre o rosto de Marlene Dietrich, deitada no banco de uma estação de comboios, com roupa de camponesa, escutando versos de Robert Browning ditos por Robert Donat… É uma das belas imagens de Cavaleiro sem Armas (1937), título assinado por um cineasta não muitas vezes recordado nos dias que correm: o belga Jacques Feyder, conhecido particularmente pela sua breve passagem por Hollywood, onde realizou O Beijo (1929), último filme mudo de Greta Garbo. Foi a convite do produtor Alexander Korda que este se dirigiu a Inglaterra para filmar o romance entre uma condessa russa e um tradutor inglês, feito comissário comunista, durante a revolução de 1917. Dietrich é essa aristocrata fugida dos bolcheviques, mulher frágil mas destemida, que tanto traja vestes humildes como uniformes masculinos ou vestidos deslumbrantes. Ela que nas mãos de Joseph von Sternberg já tinha sido Catarina II da Rússia, em A Imperatriz Vermelha (1934), e que não deixava ninguém indiferente à sua passagem, mesmo na conjuntura da violência revolucionária.
Assim acontece nesse Cavaleiro sem Armas, um dos filmes contemplados no ciclo 1917 no Ecrã, que decorre na Cinemateca a propósito do Centenário da Revolução Russa, com exibição nos dias 15 e 22. E se não parece um título fundamental sobre o tema, é porque responde a outra ordem de representação: aquela em que a matéria histórica funciona como paisagem dramática, impulso narrativo e sentimental. De resto, não teríamos Dietrich vestida de camponesa a ouvir poesia numa fria estação de comboios, não fosse o motivo da fuga baseada numa realidade concreta, temperada de romantismo.
Este não é, contudo, o único filme não soviético de um programa naturalmente ligado a nomes como Sergei M. Eisenstein ou Aleksandr Dovjenko. Também uma raridade chamada British Agent (1934), de Michael Curtiz, figura entre as aventuras amorosas contextualizadas no clima revolucionário, com o par Leslie Howard e Kay Francis a interpretar agentes secretos de forças opostas (a 20 e 21).
Por sua vez, mais presente na memória coletiva está certamente Doutor Jivago (1965), a emblemática grande produção de David Lean, adaptada da obra-prima do russo Boris Pasternak, que atravessa os anos entre a revolução de 1905 e a guerra civil posterior à revolução de 1917. Um filme marcado pelo requintado traço romanesco, o encantador “tema de Lara” (composição de Maurice Jarre), cuja natureza de “grande espetáculo” não é impedimento para o mais íntimo olhar sobre o drama amoroso dos protagonistas, Omar Sharif e Julie Christie.
Doutor Jivago voltará ao ecrã da sala maior da Cinemateca quase 20 anos depois da última vez (a primeira sessão tem lugar amanhã, repete no dia 15).