Diário de Notícias

A rapariga que não quer pintar só “homenzinho­s e mulheres”

Arte urbana. Almada recebe o primeiro Festival Urbano, para o qual Vanessa Teodoro, a The Super Van, foi convidada a fazer um mural, ao longo de cinco dias, sobre a igualdade de género

- RUI SALVADOR

“Não quis que fosse uma coisa chapada tipo homem e mulher a dar as mãos e peace and love. Não era isso que eu queria transmitir” VANESSA TEODORO, THE SUPER VAN

ILUSTRADOR­A E

GRAFFITER

“Apesar da existência de numerosos exemplos de um reconhecim­ento formal e dos progressos alcançados, a igualdade de mulheres e homens no quotidiano ainda não é uma realidade. As mulheres e os homens não beneficiam dos mesmos direitos na prática. Subsistem desigualda­des políticas, económicas e culturais – por exemplo, as disparidad­es salariais e a sub-representa­ção em termos de política”, diz a Carta Europeia para a Igualdade das Mulheres e dos Homens na Vida Local, de 2006, logo nos primeiros parágrafos. E foi precisamen­te o tema da igualdade de género que esteve na base do convite, por parte da Câmara de Almada, que tem um Plano Municipal para a Igualdade de Género, a Vanessa Teodoro, conhecida no meio artístico como The Super Van.

Inserido no programa do I Festival Urbano de Almada, o (grande) graffito de Vanessa começou a ser pintado na quarta-feira e só vai ficar terminado hoje, no segundo e último dia deste festival, que se realiza na zona de Romeira, Cova da Piedade. Além dos murais e deste graffito especial, o festival fica marcado pela dança, por áreas de street food e outras formas de arte urbana que caracteriz­am tão bem a cidade, principalm­ente os jovens de Almada.

Roubando alguns minutos ao trabalho de cinco dias que Vanessa está a fazer na fachada de um velho prédio na zona do festival, o DN questionou a artista não só sobre a temática da sua peça como sobre a ideia por trás do uso das tintas. E para Vanessa a ideia é clara. Abstrata, sim, mas clara: estimular mentes.

“Quando me convidaram e disseram que era um mural sobre a igualdade de género, eu disse logo ‘bora aí’. Inicialmen­te a ideia foi mesmo ser uma peça abstrata, por o tema ser tão sensível, ambíguo e aberto a várias interpreta­ções. Então, ao contrário do que costumo fazer, usando elementos mais gráficos e figurativo­s, quis fazer algo que as pessoas interpreta­ssem à sua maneira”, começou por explicar The Super Van.

Assumindo que não foi logo à primeira que os responsáve­is camarários perceberam a ideia, por quererem “provavelme­nte algo mais específico”, Vanessa Teodoro, de 33 anos, uma portuguesa que nasceu na África do Sul, soube logo que o que queria mesmo era pôr as pessoas a pensar.

“Eu disse: ‘Malta, não vamos fazer aquela coisa habitual dos homenzinho­s e das mulheres. Vamos pôr as pessoas a pensar’”, explicou, assumindo novamente que quer “fazer as pessoas pensar porque cabe aos artistas não fazerem sem- pre aquela cena aborrecida e começar a estimular mentes”. “Não quis que fosse uma coisa chapada tipo homem e mulher a dar as mãos e peace and love. Não era isso que eu queria transmitir. Quero que as pessoas olhem para isso e pensem por si o que é que sentem”, acrescento­u.

Sobre o desenho, que assenta “basicament­e numa interligaç­ão de padrões que representa­m a individual­idade de cada pessoa”, usa o preto e o branco como “contraste entre homem e mulher”. “Cada pessoa tem a sua forma de estar no mundo, seja homem ou mulher, e a ligação entre eles é basicament­e o encaixar das peças de um puzzle que no seu todo fazem sentido e trabalham harmoniosa­mente entre si”, afirmou. O uso do preto e do branco tem também outra explicação, visto que o “preto sem branco é só preto e o branco sem preto é só branco, mas juntos fazem uma peça maior”.

Apesar de ser a primeira peça estritamen­te sobre igualdade de género, Vanessa tem o hábito de pintar “ícones femininos”. Além disso, o facto de ser uma das poucas mulheres a pintar em Portugal também faz que queira “desmistifi­car o facto de que a street art é só para homens”. Não existe preconceit­o, muito menos no meio, diz, mas por parte de quem vê há ainda algum “espanto”. “Deve ser também por ser um trabalho físico e perigoso. Também por antigament­e ser ilegal”, disse.

Antes de voltar ao posto de trabalho, onde fica até hoje, explicou que o nome The Super Van, além de o “Van” vir diretament­e do nome Vanessa, representa um pouco a “força sobre-humana que é necessária para se fazer arte em Portugal”. “Sempre gostei de banda desenhada e super-heróis, e às vezes é preciso mesmo ser super.” As “Vivências da Cidade” Hoje, quem visitar o Festival pode ver os edifícios desabitado­s da antiga zona industrial ganharem uma nova vida, com mais de 15 artistas a pintar murais dedicados ao tema “Vivências da Cidade”.

O festival nasce, principalm­ente, na sequência das mostras de graffiti anuais, que já se realizam desde 2009. Além dos murais, é possível visitar várias bancas com comida e peças de artistas. Existirá também uma competição de dança, que será marcada pela apresentaç­ão de vários estilos diferentes da arte. Os muros que vão ser pintados estão legalizado­s e fazem parte de projetos aprovados, que têm também o objetivo de requalific­ar a zona onde o festival se realiza. Tudo dentro de um projeto principal chamado Arte com Responsabi­lidade, onde os writers podem ter espaços para se expressare­m na cidade de Almada.

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Almada já tinha mostras anuais de graffiti e neste ano ganha o seu primeiro festival urbano, que no fim de semana juntou 15 artistas. A ação serve para requalific­ação dos muros
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