Brexit: uma oportunidade para o Parlamento Europeu
No passado dia 19 de junho deste ano iniciou-se oficialmente o período de negociação dos termos da saída do Reino Unido da União Europeia (UE), com a abertura do primeiro round formal deste processo. E o calendário, até agora, tem-se desenvolvido de acordo com o previsto, com algumas perturbações nos últimos dias. Já muito se falou sobre as principais causas e (potenciais) consequências desta decisão de Londres – que, decerto, apenas conseguiremos apreender em toda a sua extensão dentro de alguns anos –, por isso gostaria, hoje, de me debruçar sobre uma questão relevante que tem merecido menor atenção por parte da opinião pública: o destino a dar aos 73 lugares atualmente ocupados por deputados britânicos no Parlamento Europeu, eventualmente já nas eleições europeias de 2019.
Uma das soluções possíveis – e que certamente agradaria a muitas vozes eurocéticas ou eurocríticas – passaria por simplesmente eliminar estes lugares, diminuindo assim o número total de eurodeputados. No entanto, e por muito tentadora e “remuneradora” que esta proposta possa parecer à primeira vista, nomeadamente em termos de imagem pública, a verdade é que outras considerações devem ser tidas em conta na tomada de uma decisão sobre este tema.
Efetivamente, cabe recordar que existe um imperativo legal, decorrente do Tratado de Lisboa e da regra da “proporcionalidade degressiva” neste inscrita (reforçada por uma decisão do Conselho Europeu de junho de 2013), que obriga a um rearranjo na distribuição de lugares no Parlamento Europeu, com vista a minorar o atual cenário de desajustamento entre o rácio população/número de deputados europeus.
Poder-se-ia assim, em teoria, aproveitar a circunstância do brexit para implementar, de uma forma mais suave, uma reforma aguardada há algum tempo e que resultaria essencialmente num reforço do peso dos Estados membros mais populosos, através da realocação (de parte) dos lugares britânicos, seguindo o método do chamado “compromisso de Cambridge modificado”.
No entanto, cabe notar que esta hipótese teórica enfrenta inúmeros obstáculos, a começar pela dificuldade em fazer aprovar por unanimidade, especialmente na atual conjuntura europeia, um acordo de redistribuição de lugares que implica um enfraquecimento do peso relativo dos Estados membros de média dimensão. Aliás, a bem do equilíbrio nacional e institucional, uma tal alteração na relação de forças no Parlamente Europeu deveria ser acompanhada de um reforço do peso dos Estados membros de média dimensão no Conselho, designadamente através da revisão da regra da maioria (vide “compromisso jaguelónico”, com base no método de Penrose).
Mas existe um outro cenário: a criação de listas europeias. Listas, com carácter supranacional, a apresentar pelas diferentes famílias políticas europeias. É certo que se trata de uma solução que acarreta dificuldades formais e requer uma enorme vontade e consenso políticos, mas creio estarmos perante uma oportunidade que não podemos desperdiçar. À parte considerações aritméticas associadas aos equilíbrios nacionais e/ou partidários necessários, esta pode e deve ser considerada uma oportunidade para aprofundar a democracia europeia e melhorar a ligação entre as instituições da UE e os cidadãos. Por isso, uma solução de compromisso poderá porventura passar por um arranjo transitório com méritos políticos e simbólicos: a alocação (de parte) dos mandatos atualmente exercidos por eurodeputados britânicos a elementos eleitos por listas europeias.
Mas também há que identificar e lidar com os riscos desta solução. O primeiro, o já referido reforço do peso dos Estados membros mais populosos, dada a possibilidade de parte substancial destas listas poder vir a ser ocupada preferencialmente por candidatos destes países. Mas o Parlamento Europeu poderá adotar orientações que minimizem este risco. As próprias famílias políticas europeias poderão/deverão travar esta putativa deriva.
Creio portanto estarem reunidas as condições para que, no mínimo, se discuta seriamente esta ideia. Sabemos que o Parlamento Europeu o está a fazer, na procura de uma solução equilibrada que possa ser aceite. Mas temos consciência de que esta é oportunidade única de votar numa lista europeia, para além das listas nacionais que cada partido seguramente apresentará.
Voltando ao início, neste como noutros domínios associados ao brexit, as consequências dependerão em muito da nossa habilidade, criatividade e capacidade para transformar potenciais riscos em oportunidades. Para tal, devemos refletir, negociar e decidir sem ingenuidades, mas também sem nunca perder de vista o ideal europeu de paz, de desenvolvimento, de solidariedade que nos anima. Em bom rigor, só assim a UE estará em condições de vencer os enormes desafios que o mundo nos coloca.