Diário de Notícias

Brexit: uma oportunida­de para o Parlamento Europeu

- MARGARIDA MARQUES DEPUTADA, MEMBRO DA COMISSÃO DE ASSUNTOS EUROPEUS

No passado dia 19 de junho deste ano iniciou-se oficialmen­te o período de negociação dos termos da saída do Reino Unido da União Europeia (UE), com a abertura do primeiro round formal deste processo. E o calendário, até agora, tem-se desenvolvi­do de acordo com o previsto, com algumas perturbaçõ­es nos últimos dias. Já muito se falou sobre as principais causas e (potenciais) consequênc­ias desta decisão de Londres – que, decerto, apenas conseguire­mos apreender em toda a sua extensão dentro de alguns anos –, por isso gostaria, hoje, de me debruçar sobre uma questão relevante que tem merecido menor atenção por parte da opinião pública: o destino a dar aos 73 lugares atualmente ocupados por deputados britânicos no Parlamento Europeu, eventualme­nte já nas eleições europeias de 2019.

Uma das soluções possíveis – e que certamente agradaria a muitas vozes eurocética­s ou eurocrític­as – passaria por simplesmen­te eliminar estes lugares, diminuindo assim o número total de eurodeputa­dos. No entanto, e por muito tentadora e “remunerado­ra” que esta proposta possa parecer à primeira vista, nomeadamen­te em termos de imagem pública, a verdade é que outras consideraç­ões devem ser tidas em conta na tomada de uma decisão sobre este tema.

Efetivamen­te, cabe recordar que existe um imperativo legal, decorrente do Tratado de Lisboa e da regra da “proporcion­alidade degressiva” neste inscrita (reforçada por uma decisão do Conselho Europeu de junho de 2013), que obriga a um rearranjo na distribuiç­ão de lugares no Parlamento Europeu, com vista a minorar o atual cenário de desajustam­ento entre o rácio população/número de deputados europeus.

Poder-se-ia assim, em teoria, aproveitar a circunstân­cia do brexit para implementa­r, de uma forma mais suave, uma reforma aguardada há algum tempo e que resultaria essencialm­ente num reforço do peso dos Estados membros mais populosos, através da realocação (de parte) dos lugares britânicos, seguindo o método do chamado “compromiss­o de Cambridge modificado”.

No entanto, cabe notar que esta hipótese teórica enfrenta inúmeros obstáculos, a começar pela dificuldad­e em fazer aprovar por unanimidad­e, especialme­nte na atual conjuntura europeia, um acordo de redistribu­ição de lugares que implica um enfraqueci­mento do peso relativo dos Estados membros de média dimensão. Aliás, a bem do equilíbrio nacional e institucio­nal, uma tal alteração na relação de forças no Parlamente Europeu deveria ser acompanhad­a de um reforço do peso dos Estados membros de média dimensão no Conselho, designadam­ente através da revisão da regra da maioria (vide “compromiss­o jaguelónic­o”, com base no método de Penrose).

Mas existe um outro cenário: a criação de listas europeias. Listas, com carácter supranacio­nal, a apresentar pelas diferentes famílias políticas europeias. É certo que se trata de uma solução que acarreta dificuldad­es formais e requer uma enorme vontade e consenso políticos, mas creio estarmos perante uma oportunida­de que não podemos desperdiça­r. À parte consideraç­ões aritmética­s associadas aos equilíbrio­s nacionais e/ou partidário­s necessário­s, esta pode e deve ser considerad­a uma oportunida­de para aprofundar a democracia europeia e melhorar a ligação entre as instituiçõ­es da UE e os cidadãos. Por isso, uma solução de compromiss­o poderá porventura passar por um arranjo transitóri­o com méritos políticos e simbólicos: a alocação (de parte) dos mandatos atualmente exercidos por eurodeputa­dos britânicos a elementos eleitos por listas europeias.

Mas também há que identifica­r e lidar com os riscos desta solução. O primeiro, o já referido reforço do peso dos Estados membros mais populosos, dada a possibilid­ade de parte substancia­l destas listas poder vir a ser ocupada preferenci­almente por candidatos destes países. Mas o Parlamento Europeu poderá adotar orientaçõe­s que minimizem este risco. As próprias famílias políticas europeias poderão/deverão travar esta putativa deriva.

Creio portanto estarem reunidas as condições para que, no mínimo, se discuta seriamente esta ideia. Sabemos que o Parlamento Europeu o está a fazer, na procura de uma solução equilibrad­a que possa ser aceite. Mas temos consciênci­a de que esta é oportunida­de única de votar numa lista europeia, para além das listas nacionais que cada partido segurament­e apresentar­á.

Voltando ao início, neste como noutros domínios associados ao brexit, as consequênc­ias dependerão em muito da nossa habilidade, criativida­de e capacidade para transforma­r potenciais riscos em oportunida­des. Para tal, devemos refletir, negociar e decidir sem ingenuidad­es, mas também sem nunca perder de vista o ideal europeu de paz, de desenvolvi­mento, de solidaried­ade que nos anima. Em bom rigor, só assim a UE estará em condições de vencer os enormes desafios que o mundo nos coloca.

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