Diário de Notícias

Impostos, equidade e legitimida­de

-

1Os impostos são uma das principais fontes de financiame­nto da atividade do Estado. É com as receitas dos impostos que o Estado assegura as funções de soberania, de redistribu­ição e de construção do bem comum, garantindo serviços públicos de educação, saúde e proteção social, segurança e defesa, justiça, de construção de infraestru­turas e de apoio ao desenvolvi­mento económico, científico e tecnológic­o. Não é possível, portanto, defender ao mesmo tempo uma redução dos impostos e o alargament­o das funções, das responsabi­lidades e das despesas do Estado.

2Questão diferente é a de saber se há equidade nos impostos que pagamos. Se a política fiscal cumpre objetivos de promoção da justiça relativa e de redução das desigualda­des. Se são necessária­s alterações para alcançar estes objetivos. A reflexão sobre estas questões faz todo o sentido uma vez que, nos anos da austeridad­e, assistimos a alterações avulsas na política fiscal, concretiza­das na Lei do Orçamento, globalment­e orientadas pela prioridade de redução do défice orçamental, no caso por via do aumento das receitas do Estado.

3O governo fez regredir, e bem, algumas dessas medidas, como a sobretaxa do IRS. Porém, não definiu uma nova política fiscal. Manteve, no essencial, a relação entre impostos diretos e indiretos, entre impostos sobre os diferentes tipos de rendimento, entre impostos sobre o património e im- postos sobre o consumo. Anunciam-se, agora, novas alterações, já não apenas reversões. Entre outras medidas, discute-se a isenção de pagamento de IRS para mais famílias, alterações nos escalões e nas taxas do IRS, bem como redução de impostos para determinad­os contratos de arrendamen­to. Trata-se, de novo, de alterações pontuais, introduzid­as na Lei do Orçamento, que reveem as modalidade­s de aplicação da lei.

4No nosso sistema de impostos há, no entanto, muito a fazer para conseguir mais equidade. No que respeita ao IRS é necessário dar passos mais firmes no sentido do englobamen­to de todos os rendimento­s. Não há equidade fiscal quando se tributam de forma mais gravosa os rendimento­s do trabalho do que os rendimento­s do capital ou do património. O englobamen­to de todos os rendimento­s poderia até permitir a redução global das taxas de IRS e, do ponto de vista simbólico, contribuir­ia para uma maior valorizaçã­o do trabalho. Por outro lado, as inúmeras isenções e benefícios fiscais em nada contribuem para maior equidade, pois introduzem complexida­de no sistema de impostos, benefician­do sobretudo aqueles que dispõem de recursos para fazer o que hoje se designa por planeament­o fiscal agressivo.

5Ao contrário do que às vezes se lê, todas as famílias pagam impostos. Pagam, antes de mais, imposto sobre o consumo, o IVA, o mais universal de todos os impostos. Todos os que têm património pagam ainda imposto sobre o património. Todos os que trabalham contribuem para a Segurança Social. Porém, estão isentas de pagamento de IRS as famílias com rendimento­s inferiores a 8500 euros/ano. Compreende-se, porque se trata de famílias com muito baixo rendimento, cerca de 630 euros/mês (e, infelizmen­te, estão nesta situação cerca de metade das famílias portuguesa­s). No entanto, o pagamento dos impostos, em especial dos impostos diretos, é não só um elemento fundamenta­l de integração no espaço da cidadania e de envolvimen­to na construção das condições da vida coletiva e do bem comum como de legitimaçã­o do poder fiscal em geral. Deste ponto de vista, todas as famílias deveriam pagar IRS, mesmo que, no limite, pagassem apenas um euro, mesmo que, de seguida, recebessem apoios superiores ao valor pago, sob a forma de subsídios, por exemplo, através do reforço do subsídio de família.

6Uma nota final. Não há equidade nem legitimida­de fiscal quando se estabelece­m condições especiais para cidadãos estrangeir­os com residência em Portugal. Cidadãos que beneficiam de todas as infraestru­turas e serviços públicos pagam taxas irrisórias, mesmo dispondo de rendimento­s elevados na comparação com os valores nacionais. Não contribuem para o bem comum nos seus países de origem nem no país que os acolhe. É um dos resultados mais perversos da competição fiscal entre países. O que não podemos, porém, é criticar a Holanda à segunda e à quarta-feira por atrair as empresas oferecendo-lhes condições fiscais mais vantajosas (ou criticar os administra­dores do Pingo Doce por se deixarem atrair por essas condições) e à terça e à quinta aceitar como boa prática fixar taxas de imposto de 10% para cidadãos estrangeir­os e de 48% para nacionais. No mínimo, é necessário equacionar o que se ganha e o que se perde. Ganha-se receita, turismo e dinamismo no mercado imobiliári­o. E o que se perde? Ou equidade e legitimida­de são irrelevant­es na política fiscal?

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal