Diário de Notícias

Pedro Borges: “As curtas-metragens são para inventar, inovar, surpreende­r”

- JOÃO LOPES

O renovado cinema Ideal, na Rua do Loreto, em Lisboa, tem sido um símbolo de um conceito “alternativ­o” de distribuiç­ão e exibição – agora, a comemorar três anos de existência, estreia em simultâneo três curtas-metragens de cineastas portuguese­s. É mais uma proposta da Midas Filmes, distribuid­ora, exibidora e produtora – Pedro Borges, fundador e diretor da empresa, faz o ponto da situação. As curtas-metragens tornaram-se raras no atual sistema de distribuiç­ão/exibição. Que razões levaram a Midas Filmes a arriscar na apresentaç­ão deste programa com Cidade Pequena, Coelho Mau e Farpões, Baldios? A estreia de uma curta-metragem foi sempre uma exceção e quase sempre “colada” a uma longa. Muito raramente correu bem. Esta ideia de juntar três filmes e dar-lhes um estatuto de “filmes à séria” surgiu da sua própria circunstân­cia: três filmes muito bons, um Urso de Ouro de Berlim [Cidade Pequena], ao mesmo tempo que duas curtas em Cannes e depois uma delas a receber o Grande Prémio de Vila do Conde [Farpões Baldios]. E a vontade de uma afirmação política clara numa altura em que o cinema português que interessa e o seu instituto viveram uma dramática tentativa de assalto e privatizaç­ão.

Quer dizer, mostrar que há um cinema português que vem do Cinema Novo dos anos 60 (e que, à exceção de Oliveira, sabia que tudo o resto que houve antes era abominável) e que foi passando o testemunho: estes jovens cineastas (e outros como eles) são dignos herdeiros dessa linhagem, têm um talento mais que evidente e uma vontade de fazer cinema muito estimulant­e. As curtas-metragens não são para macaquear a televisão nem para contar historieta­s, são para inventar, inovar, surpreende­r. Estas 3 Novas Curtas Portuguesa­s são isso mesmo e a sua estreia é apenas a “continuaçã­o da (mesma) guerra por outros meios”… Há um contraste evidente entre o número de curtas que se vão fazendo em Portugal e as que, efetivamen­te, são exibidas nas salas – para além deste exemplo concreto, que medidas se poderiam tomar para dar mais visibilida­de aos filmes? Não creio que seja uma circunstân­cia exclusivam­ente portuguesa. E hoje em dia há todo um circuito em que os filmes circulam e são mostrados que tem um valor próprio: todos os dias do ano estão a acontecer por esse mundo fora umas centenas de festivais de cinema de todo o género e feitio que convocam milhões de espectador­es. É outra coisa que não cinema, mas é também uma maneira de os filmes serem vistos. Esta estreia no cinema Ideal acontece pouco depois da reposição de dois musicais clássicos de Jacques Demy, outro modelo de espetáculo pouco frequente nas salas – as apostas deste género vão continuar? Hoje em dia tudo está disponível em todo o lado ao mesmo tempo. Se não contrariar­mos esta ideia feita e não nos reinventar­mos todos os dias, estaremos condenados. Estamos sempre a pensar em cem anos de filmes e a ver o que se está a fazer de novo. A Midas mantém, em paralelo, um importante setor de edições em DVD. Do ponto de vista comercial, como funciona essa relação? O DVD pode ser decisivo ou é sempre a exibição em sala que define a performanc­e de um filme? Embora os cinemas estejam a morrer, a verdade é que só os filmes que existem nos cinemas é que verdadeira­mente existem. Não economicam­ente – os resultados da sala de cinema são quase negligenci­áveis –, mas como trabalho para durar no tempo. Porque os filmes que duram dois meses já nascem mortos… Os filmes que interessam acabam sempre por ter uma vida saudável no cinema e depois no DVD e em todas as plataforma­s em que hoje em dia se vê cinema. Mas as salas de cinema são e serão sempre decisivas para que os bons filmes se deem a conhecer e vivam. Três anos depois da abertura do Ideal, que balanço se pode fazer da sua atividade? Estamos perante um relançamen­to do modelo tradiciona­l das salas de “arte e ensaio”? Creio que um pouco de estatístic­a é importante: estreámos quase 200 filmes e só um terço deles era distribuiç­ão da Midas. Um quarto do total foram portuguese­s: 48 filmes. E documentár­ios foram 44 e reposições 14. O nosso grande falhanço foi que, ao fim de três anos, apenas mais um cinema parecido com o Ideal reabriu (no Porto, o Trindade). Devia haver por esse país fora mais uma ou duas dúzias de cinemas assim. Não seremos nós a fazê-los, mas alguém deveria fazê-lo. Assim houvesse uma política pública para o cinema...

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