Acentua-se perigosamente o desencontro entre o modelo da ordem internacional legislado, e a realidade desordenada das múltiplas hierarquias
que a força militar era a sua única de vocação democrática a partir de Atatürk, ou especialmente o Brasil recentemente mais ocupado pelas dificuldades internas do que com a função internacional.
A regionalização, de que a União Europeia é o principal exemplo, não ajudou a modernizar para os novos tempos a ONU, designadamente porque não é um Estado. Mas, por outro lado, o poder real aparece titulado por organizações privadas, não estaduais, por vezes não conhecidas, ou reconhecidas, mas no comando da política financeira ou económica, sem fronteiras globais, mudando na realidade os conceitos fundamentais de um passado próximo, como o valor das fronteiras, a soberania, o patriotismo, a cidadania, e assim por diante.
Não pode manter-se fora da discussão, sobre um futuro diferente, a persistência do princípio hierárquico, que a alguns países parece de direito natural, mesmo quando serão orientados para fechar-se ao seu mundo com a tentação, por exemplo, da America first. Por vezes parece que o orgulho nacionalista fica satisfeito com a função de “gendarme” regional, o que parece animar algumas das críticas conservadoras à decisão de Obama de combinar o hard power com a diplomacia do diálogo. Na própria União Europeia a tentação da hierarquia interior não deixa de manifestar-se, com a clareza do discurso de membros que com ele revelam o sentimento de superioridade. No Oriente, a China, que parece retomar o seu passado de potência marítima, também não omite o sentido de liderança dos países da Associação das Nações da ASEAN (Ásia do Sudeste), o mesmo acontecendo no Conselho de Cooperação do Golfo, situação evidente na recente atitude da Arábia Saudita contra o Qatar. Grupos económicos, como o G7-G8, ou G20, correspondem a uma hierarquia económica, que é indispensável tomar em conta quando se procura saber que diferenças cobrem a oculta organização do poder sem nome.
A questão da criminalidade económica, incluindo o crescimento da corrupção do poder político, é a mais inquietante e reveladora circunstância de que tal princípio da hierarquia funciona em termos de desafiar e subverter o poder político que a democracia pretendeu instalar como modelo mundial. Entretanto é a paz que é violada pelo recurso ao terrorismo que recusa o nome de guerra, as tecnologias modernas permitem a vitória do fraco contra o forte, o ataque cibernético aflige grandes e pequenos. O complexo princípio da hierarquia não consegue ao menos ser garantia de uma ordem, se não justa, em paz. Acentua-se perigosamente o desencontro entre o modelo da ordem internacional legislado, e a realidade desordenada das múltiplas hierarquias, conflituosas, não cooperantes, esquecidas de que o globalismo se refere à terra como um todo, e à totalidade da população. A União Europeia dá mostras de não poder evitar o contágio.