Diário de Notícias

O jovem rapper que fez os mais velhos sentirem-se importante­s

Waze, de 17 anos, visitou durante semanas o Centro Social de Águas Santas, onde conviveu com os utentes e assim criou uma música. O convite surgiu da Bienal de Arte da Maia, onde o tema musical foi ontem apresentad­o

- CYNTHIA VALENTE

Nunca tinham ouvido falar em rap, nem em hip-hop, mas aceitaram logo ajudar na criação de uma música, da autoria do jovem rapper Waze. Os utentes idosos do Centro Social e Paroquial de Águas Santas ganharam “vida e alegria” com a presença do jovem no decorrer de várias semanas. “A letra tem expressões deles, da sua experiênci­a de vida, histórias de gerações e tem também a minha opinião sobre o passado e o presente. Retirei valores que vou levar para a vida toda”, explicou ao DN Waze, o jovem artista de 17 anos.

Waze, cujo nome é Bernardo, ganhou notoriedad­e com a música “Cuida de mim” e tem agora temas que passam nas rádios e em telenovela­s, como Espelho d’Água, da SIC, onde o tema “Somos eu e tu” está em destaque. Contudo, Domingos Vasconcelo­s, Graça Mourinha e Carminda Miranda Domingues não conheciam o jovem maiato e só mais tarde perceberam “que era famoso”. “Até nós nos sentimos importante­s agora”, afirmaram. As horas que passaram comWaze tornou “os dias mais felizes e animados”. Domingos Vasconcelo­s, de 73 anos, achou “muito interessan­te o facto de um jovem querer trabalhar com a terceira idade”.

“A cultura popular foi-se perdendo e perceber que há interesse de um jovem no que nós temos para transmitir é muito gratifican­te”, sublinhou ao DN. “Recordar a infância, as tradições que fizeram parte de uma fatia de uma vida” com um jovem “notável e interessad­o nos conhecimen­tos do antigament­e” fez o antigo professor primário recordar os seus tempos de docência. “Eu sou de uma aldeia e nas cidades não há tanto conhecimen­to do nosso património cultural de costumes e tradições. Quando era professor fazia esse trabalho. Era importante fazer mais iniciativa­s destas e em vários locais”, concluiu.

Graça Mourinha, de 76 anos, também “ganhou vida” com a presença de Waze. “Foi muito giro participar e poder recordar músicas e quadras antigas. Os jovens de agora só querem saber da televisão e dos telemóveis. Já não têm interesse em ouvir os mais velhos e acabamos por não ter a quem contar o que foi o nosso passado”, referiu. Graça confessou sentir “alguma tristeza por perceber que as gerações mais novas não têm algumas vivências” iguais às dela. “Quando era pequena, os meus pais contavam-me histórias, os serões eram passados em família, numa troca de experiênci­as e foi muito bom poder fazê-lo com um jovem tão talentoso”, concluiu.

Waze também teceu muitos elogios aos três utentes do Centro Social e Paroquial de Águas Santas com os quais aprendeu “muito”. “A experiênci­a foi muito enriqueced­ora. Um desafio muito interessan­te e uma boa ação moral. Interagir com pessoas mais velhas fez-me aprender muitas coisas e valorizar ainda mais outras”, sublinhou. O rapper não encarou a sua participaç­ão no Projeto Versátil (ver caixa) como “um trabalho”, mas sim “uma ponte entre o passado e o presente”, onde “jovens e idosos aprendem uns com os outros”. “Eles precisam de falar e partilhar e nós, mais jovens, precisamos e devemos ouvir”, referiu.

O músico começou a sua carreira com 15 anos e, de forma profission­al, há cerca de um ano e meio. Esta música que compôs para o projeto Versátil não será gravada, mas é “um orgulho” para ele e para os três utentes do Centro Social e Paroquial de Águas Santas. “Fiquei orgulhoso e os meus pais também. Eles incentivar­am-se a participar”, concluiu Waze. O rapper conta com cinco milhões de visualizaç­ões no YouTube e o futuro “passará pela carreira artística”, embora já esteja a trabalhar num “plano B”. É estudante de uma escola secundária da Maia, onde frequenta o 12.º ano, e pretende prosseguir estudos superiores na área das artes performati­vas.

Ao longo de quase quatro meses, a Bienal de Arte Contemporâ­nea da Maia levou a cultura a espaços da cidade da Maia, como a Venepor, Fórum, Parque Central, silos do centro empresaria­l 3Ás, aeroporto e Praça do Lidador. Ontem, o Fórum da Maia recebeu a apresentaç­ão do projeto Versátil, que encerrou com a atuação de Waze, com a música que compôs com os idosos. Na fila da frente Domingos Vasconcelo­s, Graça Mourinha e Carminda Miranda Domingues não esconderam a emoção e o orgulho por fazer parte da iniciativa.

O projeto Versátil é parte integrante da 5.ª Bienal de Arte Contemporâ­nea da Maia. Dos vários temas que integraram o projeto, “Eu entre o passado e o futuro” foi um dos que teve mais destaque, pois culminou na criação de música composta e cantada porWaze, onde se podem ouvir parte das quadras e expressões dos utentes do Centro Social e Paroquial de Águas Santas.

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Waze com utentes do Centro de Águas Santas que o ajudaram a criar uma música de hip-hop

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