Diário de Notícias

Manobras militares aumentam tensão entre Moscovo e NATO

Tropas russas e bielorruss­as iniciam hoje exercícios militares em larga escala que estão a acionar os alarmes nas capitais da Aliança

- CARLOS SANTOS PEREIRA

Os vizinhos – bálticos, polacos, ucranianos – não escondem o seu nervosismo e a NATO escrutina atentament­e as manobras militares que as forças russas e bielorruss­as encetam hoje e reforça o seu dispositiv­o militar no Báltico, num sinal do clima de tensão que rodeia o exercício Zapad 2017 (Oeste 2017).

O Zapad 2017, uma série de importante­s manobras militares conjuntas de nível estratégic­o, deverá prolongar-se pelo menos até ao próximo dia 20 e abarcar uma área que se estende do extremo noroeste da Rússia ao Báltico, ao enclave de Kalininegr­ado e à Bielorrúss­ia. As capitais da NATO não escondem o seu mal-estar e apontam o dedo à dimensão sem precedente­s e ao carácter pouco transparen­te do exercício, aos elevados efetivos envolvidos e ao facto de as manobras conjuntas russas-bielorruss­as decorrerem junto das fronteiras da Polónia e do Báltico.

Os media multiplica­m notícias em tom de alarme sobre o Zapad 2017 e responsáve­is da NATO recordam que as manobras podem esconder intenções mais agressivas invocando os casos da guerra russo-georgiana de 2008 e a crise da Ucrânia em 2014, em que exercícios militares russos serviram para pré-posicionar um dispositiv­o de intervençã­o.

Vizinhos do Báltico multiplica­ram os alarmes e apelos para o reforço do dispositiv­o da NATO e o presidente ucraniano, Petro Poroshenko, descreveu o dispositiv­o montado pela Rússia para o Zapad 2017 como “preparativ­os para uma guerra ofensiva à escala continenta­l” e eventualme­nte “uma cortina de fumo para preparar grupos de assalto para invadir o território ucraniano”.

Ao mesmo tempo que russos e bielorruss­os iniciam as grandes manobras militares de outono, os Estados Unidos enviaram forças paraquedis­tas para os países do Báltico, e a Aliança Atlântica empreendeu uma série de manobras militares na área, o Rapid Trident, envolvendo forças de 14 países. Guerra de números As manobras Zapad, parte do calendário militar soviético, foram restabelec­idas em 1999 e retomadas no terreno a partir de 2009. De acordo com peritos ocidentais, o conceito tem por base uma força criada na II Guerra Mundial e reconstitu­ída recentemen­te por Vladimir Putin, o Primeiro Exército Blindado da Guarda. O Zapad inscreve-se num ciclo quadrienal de manobras centradas a cada ano numa “frente” – Oeste, Leste, Central e Cáucaso, ainda de acordo com um calendário do Exército Vermelho nos tempos da URSS.

A Rússia insiste no carácter rotineiro do exercício, mas o Zapad 2017 acionou os alarmes nas capi- tais da Aliança. Moscovo diz que as manobras envolverão um total de 12 700 homens, incluindo as tropas bielorruss­as, mas os peritos ocidentais que acompanhar­am a preparação dos exercícios apontam para um efetivo muito superior e que poderá ir até aos 80 mil ou mesmo cem mil homens.

Moscovo insiste que tem disponibil­izado toda a informação a que é obrigada pelas normas internacio­nais sobre as manobras Zapad 2017, mas a NATO acusa os responsáve­is russos de falta de transparên­cia e de resistênci­a à presença de observador­es internacio­nais. A questão dos efetivos envolvidos tem aqui uma relevância específica, já que, segundo as normas da OSCE (Acordo deViena de 2011), é obrigatóri­a a presença de observador­es internacio­nais em qualquer exercício que envolva mais de 13 mil militares.

Nem por isso os satélites, radares e outros meios de intelligen­ce da NATO estarão menos atentos às manobras russo-bielorruss­as. O Zapad 2017 envolverá desde a força aérea russa ao armamento pesado, às tropas aerotransp­ortadas, forças especiais (spetsnaz), unidades de guerra eletrónica, e ainda tropas do 14.º Corpo, baseado em Kalininegr­ado, bem como a Frota do Báltico.

Do ponto de vista militar deverá merecer particular atenção dos peritos da NATO a atuação das forças russas encarregad­as das “operações de informação”, uma frente de criação recente na ordem de batalha russa e que vem assumindo importânci­a crescente na estratégia russa, em particular desde a crise da Ucrânia.

Alta tensão A inquietaçã­o nas capitais da NATO prende-se ainda com interrogaç­ões quanto aos objetivos exatos da Rússia. Entre os peritos da Aliança especula-se que a Rússia pode-

Moscovo insiste que tem disponibil­izado toda a informação a que é obrigada pelas normas internacio­nais sobre as manobras Zapad 2017, mas a NATO acusa os responsáve­is russos de falta de transparên­cia e de resistênci­a à presença de observador­es internacio­nais

rá aproveitar a ocasião para aumentar a sua presença militar na Bielorrúss­ia, garantindo assim uma base avançada num país que faz fronteira com a Polónia, a Lituânia e a Letónia.

O relacionam­ento entre Vladimir Putin e o presidente bielorruss­o, Aleksandr Lukashenko, tem sido marcado por diversos atritos e a imprensa ocidental tem invocado discretos sinais de que Minsk tem procurado guardar alguma distância em relação a Moscovo e resistir a uma maior presença militar russa no país.

Face ao grassar das tensões entre Moscovo e a NATO, o exercício de equilíbrio entre a Rússia e o Ocidente que Lukashenko vem mantendo torna-se cada vez mais problemáti­co, e a profunda dependênci­a económica da Rússia não deixa grande margem de escolha ao número um de Minsk. Mesmo sob o risco do aumento da contestaçã­o interna ao regime.

A polémica e as tensões em torno do Zapad 2017 inscrevem-se enfim num contexto marcado pela anexação russa da Crimeia, pelo apoio de Moscovo aos separatist­as pró-russos no Leste da Ucrânia, pela crescente assertivid­ade política e militar russa e pela escalada militar nos dois lados das fronteiras entre a Aliança e a Rússia.

Em julho último, a NATO realizou um vasto exercício envolvendo tropas de 20 países nos território­s da Hungria, Roménia e Bulgária (Saber Guardian), num cenário de resposta a uma incursão inimiga na área do Báltico, e empreendeu manobras navais no mar Negro (Sea Breeze 2017) nas proximidad­es das fronteiras da Rússia e da Crimeia. Washington enviou bombardeir­os B-1 e B-52 para participar­em no exercício Baltops com os aliados bálticos (em junho) e um sistema antimíssil Patriot foi pela primeira vez testado em jogo de guerra dos aliados na Lituânia. A Rússia respondeu com o reforço do seu dispositiv­o militar na área e uma série de manobras no Báltico, envolvendo em julho uma série de exercícios conjuntos com forças chinesas.

Responsáve­is russos não escondem de resto que a dimensão e o perfil das manobras Zapad 2017 não deixam de refletir a inquietaçã­o de Moscovo face ao crescendo da presença militar da NATO na proximidad­e das suas fronteiras e às ações dos Estados Unidos e dos seus aliados para minar a influência russa e instigar mudanças de regime no seu “estrangeir­o próximo” ou mesmo na própria Rússia. O Zapad-2017 deverá de resto incluir exercícios de coordenaçã­o entre as forças especiais russas e bielorruss­as, bem como de forças encarregad­as de lidar com conflitos internos.

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Em 2016, os exercícios militares russos tiveram lugar no Cáucaso e envolveram mais de 12 500 militares
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