Manobras militares aumentam tensão entre Moscovo e NATO
Tropas russas e bielorrussas iniciam hoje exercícios militares em larga escala que estão a acionar os alarmes nas capitais da Aliança
Os vizinhos – bálticos, polacos, ucranianos – não escondem o seu nervosismo e a NATO escrutina atentamente as manobras militares que as forças russas e bielorrussas encetam hoje e reforça o seu dispositivo militar no Báltico, num sinal do clima de tensão que rodeia o exercício Zapad 2017 (Oeste 2017).
O Zapad 2017, uma série de importantes manobras militares conjuntas de nível estratégico, deverá prolongar-se pelo menos até ao próximo dia 20 e abarcar uma área que se estende do extremo noroeste da Rússia ao Báltico, ao enclave de Kalininegrado e à Bielorrússia. As capitais da NATO não escondem o seu mal-estar e apontam o dedo à dimensão sem precedentes e ao carácter pouco transparente do exercício, aos elevados efetivos envolvidos e ao facto de as manobras conjuntas russas-bielorrussas decorrerem junto das fronteiras da Polónia e do Báltico.
Os media multiplicam notícias em tom de alarme sobre o Zapad 2017 e responsáveis da NATO recordam que as manobras podem esconder intenções mais agressivas invocando os casos da guerra russo-georgiana de 2008 e a crise da Ucrânia em 2014, em que exercícios militares russos serviram para pré-posicionar um dispositivo de intervenção.
Vizinhos do Báltico multiplicaram os alarmes e apelos para o reforço do dispositivo da NATO e o presidente ucraniano, Petro Poroshenko, descreveu o dispositivo montado pela Rússia para o Zapad 2017 como “preparativos para uma guerra ofensiva à escala continental” e eventualmente “uma cortina de fumo para preparar grupos de assalto para invadir o território ucraniano”.
Ao mesmo tempo que russos e bielorrussos iniciam as grandes manobras militares de outono, os Estados Unidos enviaram forças paraquedistas para os países do Báltico, e a Aliança Atlântica empreendeu uma série de manobras militares na área, o Rapid Trident, envolvendo forças de 14 países. Guerra de números As manobras Zapad, parte do calendário militar soviético, foram restabelecidas em 1999 e retomadas no terreno a partir de 2009. De acordo com peritos ocidentais, o conceito tem por base uma força criada na II Guerra Mundial e reconstituída recentemente por Vladimir Putin, o Primeiro Exército Blindado da Guarda. O Zapad inscreve-se num ciclo quadrienal de manobras centradas a cada ano numa “frente” – Oeste, Leste, Central e Cáucaso, ainda de acordo com um calendário do Exército Vermelho nos tempos da URSS.
A Rússia insiste no carácter rotineiro do exercício, mas o Zapad 2017 acionou os alarmes nas capi- tais da Aliança. Moscovo diz que as manobras envolverão um total de 12 700 homens, incluindo as tropas bielorrussas, mas os peritos ocidentais que acompanharam a preparação dos exercícios apontam para um efetivo muito superior e que poderá ir até aos 80 mil ou mesmo cem mil homens.
Moscovo insiste que tem disponibilizado toda a informação a que é obrigada pelas normas internacionais sobre as manobras Zapad 2017, mas a NATO acusa os responsáveis russos de falta de transparência e de resistência à presença de observadores internacionais. A questão dos efetivos envolvidos tem aqui uma relevância específica, já que, segundo as normas da OSCE (Acordo deViena de 2011), é obrigatória a presença de observadores internacionais em qualquer exercício que envolva mais de 13 mil militares.
Nem por isso os satélites, radares e outros meios de intelligence da NATO estarão menos atentos às manobras russo-bielorrussas. O Zapad 2017 envolverá desde a força aérea russa ao armamento pesado, às tropas aerotransportadas, forças especiais (spetsnaz), unidades de guerra eletrónica, e ainda tropas do 14.º Corpo, baseado em Kalininegrado, bem como a Frota do Báltico.
Do ponto de vista militar deverá merecer particular atenção dos peritos da NATO a atuação das forças russas encarregadas das “operações de informação”, uma frente de criação recente na ordem de batalha russa e que vem assumindo importância crescente na estratégia russa, em particular desde a crise da Ucrânia.
Alta tensão A inquietação nas capitais da NATO prende-se ainda com interrogações quanto aos objetivos exatos da Rússia. Entre os peritos da Aliança especula-se que a Rússia pode-
Moscovo insiste que tem disponibilizado toda a informação a que é obrigada pelas normas internacionais sobre as manobras Zapad 2017, mas a NATO acusa os responsáveis russos de falta de transparência e de resistência à presença de observadores internacionais
rá aproveitar a ocasião para aumentar a sua presença militar na Bielorrússia, garantindo assim uma base avançada num país que faz fronteira com a Polónia, a Lituânia e a Letónia.
O relacionamento entre Vladimir Putin e o presidente bielorrusso, Aleksandr Lukashenko, tem sido marcado por diversos atritos e a imprensa ocidental tem invocado discretos sinais de que Minsk tem procurado guardar alguma distância em relação a Moscovo e resistir a uma maior presença militar russa no país.
Face ao grassar das tensões entre Moscovo e a NATO, o exercício de equilíbrio entre a Rússia e o Ocidente que Lukashenko vem mantendo torna-se cada vez mais problemático, e a profunda dependência económica da Rússia não deixa grande margem de escolha ao número um de Minsk. Mesmo sob o risco do aumento da contestação interna ao regime.
A polémica e as tensões em torno do Zapad 2017 inscrevem-se enfim num contexto marcado pela anexação russa da Crimeia, pelo apoio de Moscovo aos separatistas pró-russos no Leste da Ucrânia, pela crescente assertividade política e militar russa e pela escalada militar nos dois lados das fronteiras entre a Aliança e a Rússia.
Em julho último, a NATO realizou um vasto exercício envolvendo tropas de 20 países nos territórios da Hungria, Roménia e Bulgária (Saber Guardian), num cenário de resposta a uma incursão inimiga na área do Báltico, e empreendeu manobras navais no mar Negro (Sea Breeze 2017) nas proximidades das fronteiras da Rússia e da Crimeia. Washington enviou bombardeiros B-1 e B-52 para participarem no exercício Baltops com os aliados bálticos (em junho) e um sistema antimíssil Patriot foi pela primeira vez testado em jogo de guerra dos aliados na Lituânia. A Rússia respondeu com o reforço do seu dispositivo militar na área e uma série de manobras no Báltico, envolvendo em julho uma série de exercícios conjuntos com forças chinesas.
Responsáveis russos não escondem de resto que a dimensão e o perfil das manobras Zapad 2017 não deixam de refletir a inquietação de Moscovo face ao crescendo da presença militar da NATO na proximidade das suas fronteiras e às ações dos Estados Unidos e dos seus aliados para minar a influência russa e instigar mudanças de regime no seu “estrangeiro próximo” ou mesmo na própria Rússia. O Zapad-2017 deverá de resto incluir exercícios de coordenação entre as forças especiais russas e bielorrussas, bem como de forças encarregadas de lidar com conflitos internos.