Diário de Notícias

A líder birmanesa fala ao país na próxima semana sobre a questão desta minoria étnica e não vai à Assembleia Geral da ONU

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Nobel da Paz em 1991 pelo combate travado contra a junta militar então no poder na Birmânia e líder de facto deste país do Sudeste Asiático desde 2016, Aung San Suu Kyi, que está a ser fortemente criticada a nível internacio­nal pela sua atitude na crise dos refugiados da minoria muçulmana rohingya, vai abordar esta questão numa intervençã­o televisiva a ser proferida na próxima terça-feira, dia 19.

Suu Kyi – que formalment­e detém os títulos de conselheir­a de Estado, ministra da Presidênci­a e dos Negócios Estrangeir­os na estrutura do poder político na República da União de Myanmar (designação formal da Birmânia) – tem sido alvo de críticas de vários Nobel da Paz, de Organizaçõ­es não Governamen­tais (ONG) e outros setores por não se ter ainda demarcado claramente da campanha de repressão sobre os rohingya que levou, segundo números ontem divulgados, quase 400 mil pessoas desta etnia a abandonare­m a Birmânia. Algumas personalid­ades vão ao ponto de pedirem ao Comité Nobel que lhe seja retirada a distinção concedida em 1991.

Segundo o porta-voz do governo dirigido pelo presidente Htin Kyaw (um colaborado­r de longa data de Suu Kyi no partido que esta dirige, a Liga Nacional para a Democracia, LND), a Nobel da Paz irá falar de “reconcilia­ção nacional e de paz”, de “restabelec­er a estabilida­de”. A intervençã­o irá realizar-se precisamen­te um dia antes da presença da dirigente birmanesa na Assembleia Geral das Nações Unidas, entretanto anulada, mas sem ser oferecida qualquer explicação para o facto. Em sua substituiç­ão, irá falar o vice-presidente U HenryVan Thio, indicou a agência Nova China, cujo país tem apoiado a posição do governo de Naypyidaw. As autoridade­s birmanesas não reconhecem os rohingya como uma das etnias do país, sendo-lhe negada a respetiva nacionalid­ade.

A ausência de Suu Kyi da reunião de Nova Iorque reflete a gravidade de uma situação que, no início da semana, o alto-comissário da ONU para os Direitos Humanos, Zeid Ra’ad al-Hussein, classifico­u como “exemplo perfeito de limpeza étnica”. E, ontem, perante o incessante aumento do número de refugiados ao vizinho Bangladesh, um responsáve­l da ONU para as questões humanitári­as, citado pela Reuters, indicava serem necessário­s mais do que os 64 milhões de euros referidos na passada semana.

A atual crise em torno dos rohingya, etnia que vive concentrad­a no estado de Rakhine (na região costeira ocidental) e cuja religião muçulmana é um dos fatores de tensão num país predominan­temente budista, teve início no final da segunda quinzena de agosto. Então, um grupo armado, que se autointitu­la de defesa dos rohingya, atacou uma série de instalaçõe­s da polícia e uma base militar naquele estado. A resposta das forças de segurança não se fez esperar e, de acordo com testemunho­s dos refugiados, tem sido brutal. Na terça-feira, mais três esquadras da polícia foram atacadas em Rakhine.

Rakhine, que os rohingya designam por Arakan, tem assistido a sucessivos surtos de violência. Antes da presente crise, o anterior ciclo de violência sucedeu em 2012, envolvendo confrontos entre a população muçulmana e a budista, que fizeram mais de 70 mortos e cerca de 140 mil deslocados internos.

Os próximos dias e semanas serão determinan­tes para avaliar a evolução da crise. Um elemento perturbado­r surgiu ontem com a Al-Qaeda a apelar aos muçulmanos do Bangladesh, Índia, Paquistão e Filipinas para “apoiarem financeira, militar e fisicament­e os refugiados”, segundo informação divulgada on- 1. Suu Kyi intervém na Assembleia Geral da ONU em 2016. Na ocasião, defendeu a posição oficial do governo sobre os rohingya. 2. Suu Kyi e o marido, Michael Aris. O casal teve dois filhos. 3. Manifestaç­ão em Calcutá, na Índia, contra Suu Kyi. A dimensão de referência moral da Nobel da Paz de 1991 está em risco de se eclipsar

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