Detroit, história real recebida sem consenso
O mais recente trabalho de Kathryn Bigelow tem recebido diferentes reações: apoio de uns, repúdio de outros
Verão de 1967. A cidade de Detroit é palco de inúmeros confrontos raciais, sintetizados na animação do artista Jacob Lawrence que abre o filme-efeméride de Kathryn Bigelow que hoje chega às salas de cinema. Passam 50 anos desde os eventos, entre eles o episódio de violência policial sobre aqueles que se encontravam no Motel Algiers retratado no filme. Sem dados suficientes para poder dizer o que realmente naquela noite de 25 de julho se passou, o filme ficciona (e assume que ficciona).
A história de Larry Reed, cantor do grupo The Dramatics, cuja vida muda nessa noite, revelou-se essencial para a história que filma Kathryn Bigelow e Mark Boal escreve. O artista tinha-se refugiado no Motel Algiers para fugir dos confrontos em que esteve também envolvido Melvin Dismukes, um segurança privado que é acusado de ter participado nestes atos de violência que redundaram na morte de três pessoas. John Boyega, o ator britânico que o interpreta, descreve-o assim: “Um homem decente no sítio errado à hora errada.” O homem, que continuou a trabalhar como segurança depois do processo em tribunal, de que saiu ilibado, considera que 99,5% do filme é fiel ao que aconteceu (disse-o entrevistado pela Variety). A pesquisa para o filme, iniciada em 2014, passou tanto pelo seu testemunho como pelo de Larry Reed.
Detroit, no entanto, não foi recebido com hossanas por toda a gente. Há críticas fortes ao tom do filme e à ausência da comunidade, como escreveram três académicos no Huffington Post num ensaio intitulado “Detroit é o mais irresponsável e perigoso filme do ano”. Criticam o que é mostrado e o que é omitido. “Enquanto os corpos negros desempenham um papel fulcral no filme, as estórias e histórias da Detroit negra não. Apesar de se apoiar na pesquisa, o filme distorce e obscurece a história dos anos 60, os eventos no Motel Algiers e a vida na cidade negra de forma lata”, lê-se. Os autores são Jeanne Theoharis, professora de Ciência Política e autora de The Rebelious Life of Mrs. Rosa Parks, Mary Phillips, professora de Estudos Africanos, nascida em Detroit, e Say Burgin, professor de História.
O próprio nome do filme foi alvo de críticas. De um lado os que queriam um título que aludisse ao caso real, do outro a realizadora admitindo que a escolha foi comercial, procurando cativar mais pessoas. LINA SANTOS