Diário de Notícias

Dizer não? Não! O crime por trás dos casos Galpgate, Huaweigate e Oraclegate

- MARTIM MENEZES SÓCIO DA CCA ONTIER

Viagens e estadas pagas, jogos do Euro 2016 em França e concertos dos Aerosmith na Califórnia, tudo pago por empresas privadas a políticos e a altos quadros do Estado… São estas as manchetes que não se cansam de inundar a nossa comunicaçã­o social no decurso do último ano e que nos continuam a causar alguma (senão muita) estranheza.

Muito embora algumas vozes políticas se tenham levantado para afirmarem que não entendem como “umas pessoas aceitaram publicamen­te uns convites” pode configurar um crime, o certo é que o nosso Código Penal e a Lei dos Crimes de Responsabi­lidade de Titulares de Cargos Políticos criminaliz­a esta conduta e proíbe o “recebiment­o indevido de vantagem”.

O crime de recebiment­o indevido de vantagem, nos termos configurad­os pela lei suprarrefe­rida, prevê que “o titular de cargo político ou de alto cargo público que, no exercício das suas funções ou por causa dela, por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentime­nto ou ratificaçã­o, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonia­l ou não patrimonia­l, que não lhe seja devida, é punido com pena de prisão de um a cinco anos”, excluindo do conceito de ilícito “as condutas socialment­e adequadas e conformes aos usos e costumes”.

É um crime de prova relativame­nte simples, na medida em que pune a criação de uma vantagem sem que seja necessário provar que essa vantagem existiu realmente ou que a mesma condiciono­u o exercício da função pública.

Contudo, este crime tem como “válvula de escape” a adequação social e a conformida­de com os usos e costumes das condutas adotadas pelo agente, que assim não constituir­ão um ilícito penal. Apesar de esta avaliação apenas poder ser feita casuistica­mente, é indubitáve­l que os titulares de cargos políticos ou de altos cargos públicos devem pautar a sua conduta pela transparên­cia, integridad­e, honestidad­e, imparciali­dade e independên­cia na prossecuçã­o do interesse público.

É absolutame­nte intoleráve­l considerar-se “comum” ou “eticamente aceitável” que empresas privadas, com grande exposição tributária perante o Estado, paguem viagens com um custo estimado de milhares de euros a políticos e detentores de cargos públicos.

Perante circunstân­cias como as acima relatadas, é inevitável questionar­mos por que o fazem, a que título e com que finalidade? E é nosso dever fazê-lo, porquanto nos cabe, enquanto membros participat­ivos de um Estado de direito democrátic­o, exigir dos titulares de cargos públicos, transparên­cia, clareza e isenção.

Espera-se, legitimame­nte, dos titulares de cargos públicos, uma conduta ético-moral imaculada, que em nada se coaduna com favorecime­ntos.

Pelo que, é imperativo que nos recusemos a conviver com um clima de permeabili­dade no exercício de funções em esferas de atuação pública; é imperativo que nos recusemos a viver num país de favorecime­ntos, de aceitação de benefícios indevidos, de placidez perante a corrupção e o crime.

Interioriz­emos que a circunstân­cia de políticos e titulares de cargos públicos aceitarem viagens e estadas pagas de milhares de euros não é, nem pode ser, socialment­e adequado ou conforme aos nossos usos e costumes. E os nossos tribunais têm-no dito com clareza ao decidirem que até ofertas mensurávei­s em valores inferiores a cem euros não podem ser considerad­as socialment­e adequadas nas circunstân­cias ora em apreço.

Pelo contrário, esse tipo de conduta levanta um manto de suspeição incontorná­vel e pode mesmo consubstan­ciar um crime, previsto e punido pela nossa lei. E a lei não favorece nem privilegia indiscrimi­nadamente. A lei é de todos e para todos.

É absolutame­nte intoleráve­l considerar-se “comum” ou “eticamente aceitável” que empresas privadas, com grande exposição tributária perante o Estado, paguem viagens com um custo estimado de milhares de euros a políticos e detentores de cargos públicos

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