Dizer não? Não! O crime por trás dos casos Galpgate, Huaweigate e Oraclegate
Viagens e estadas pagas, jogos do Euro 2016 em França e concertos dos Aerosmith na Califórnia, tudo pago por empresas privadas a políticos e a altos quadros do Estado… São estas as manchetes que não se cansam de inundar a nossa comunicação social no decurso do último ano e que nos continuam a causar alguma (senão muita) estranheza.
Muito embora algumas vozes políticas se tenham levantado para afirmarem que não entendem como “umas pessoas aceitaram publicamente uns convites” pode configurar um crime, o certo é que o nosso Código Penal e a Lei dos Crimes de Responsabilidade de Titulares de Cargos Políticos criminaliza esta conduta e proíbe o “recebimento indevido de vantagem”.
O crime de recebimento indevido de vantagem, nos termos configurados pela lei suprarreferida, prevê que “o titular de cargo político ou de alto cargo público que, no exercício das suas funções ou por causa dela, por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não lhe seja devida, é punido com pena de prisão de um a cinco anos”, excluindo do conceito de ilícito “as condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes”.
É um crime de prova relativamente simples, na medida em que pune a criação de uma vantagem sem que seja necessário provar que essa vantagem existiu realmente ou que a mesma condicionou o exercício da função pública.
Contudo, este crime tem como “válvula de escape” a adequação social e a conformidade com os usos e costumes das condutas adotadas pelo agente, que assim não constituirão um ilícito penal. Apesar de esta avaliação apenas poder ser feita casuisticamente, é indubitável que os titulares de cargos políticos ou de altos cargos públicos devem pautar a sua conduta pela transparência, integridade, honestidade, imparcialidade e independência na prossecução do interesse público.
É absolutamente intolerável considerar-se “comum” ou “eticamente aceitável” que empresas privadas, com grande exposição tributária perante o Estado, paguem viagens com um custo estimado de milhares de euros a políticos e detentores de cargos públicos.
Perante circunstâncias como as acima relatadas, é inevitável questionarmos por que o fazem, a que título e com que finalidade? E é nosso dever fazê-lo, porquanto nos cabe, enquanto membros participativos de um Estado de direito democrático, exigir dos titulares de cargos públicos, transparência, clareza e isenção.
Espera-se, legitimamente, dos titulares de cargos públicos, uma conduta ético-moral imaculada, que em nada se coaduna com favorecimentos.
Pelo que, é imperativo que nos recusemos a conviver com um clima de permeabilidade no exercício de funções em esferas de atuação pública; é imperativo que nos recusemos a viver num país de favorecimentos, de aceitação de benefícios indevidos, de placidez perante a corrupção e o crime.
Interiorizemos que a circunstância de políticos e titulares de cargos públicos aceitarem viagens e estadas pagas de milhares de euros não é, nem pode ser, socialmente adequado ou conforme aos nossos usos e costumes. E os nossos tribunais têm-no dito com clareza ao decidirem que até ofertas mensuráveis em valores inferiores a cem euros não podem ser consideradas socialmente adequadas nas circunstâncias ora em apreço.
Pelo contrário, esse tipo de conduta levanta um manto de suspeição incontornável e pode mesmo consubstanciar um crime, previsto e punido pela nossa lei. E a lei não favorece nem privilegia indiscriminadamente. A lei é de todos e para todos.
É absolutamente intolerável considerar-se “comum” ou “eticamente aceitável” que empresas privadas, com grande exposição tributária perante o Estado, paguem viagens com um custo estimado de milhares de euros a políticos e detentores de cargos públicos