O inverno da geringonça
Assim de repente, no espaço de quatro dias, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa mataram a hipótese de a geringonça ter futuro para lá das legislativas de 2019. Curiosamente, com palavras muito semelhantes. A líder do Bloco diz que “o acordo que existe teve uma conjuntura específica. Não é repetível”, e o secretário-geral do PCP afirmou que “naturalmente, esta nova solução política encontrada foi conjuntural e que dificilmente se repetirá”. Não terá havido coordenação entre os dois, o que seria bem mais improvável do que as vacas voadoras de António Costa, mas estas declarações podem sinalizar caminhos.
Antes de mais, o que talvez seja verdadeiramente conjuntural são estas frases dos dois parceiros do governo no Parlamento. Afinal, as eleições autárquicas estão aí ao virar do mês e os dias da campanha e pré-campanha são terreno de afirmação política própria, onde nem Bloco nem PCP ganham rigorosamente nada em andar a sublinhar convergências com os socialistas. Ainda dentro da conjuntura e muito provavelmente a contar bem mais para este jogo, temos o Orçamento do Estado. É esse o terreno onde PCP e Bloco disputam as migalhas orçamentais que lhes podem valer ganhos de causa para vender aos seus eleitorados. O DN conta-lhe hoje que o governo alargou um pouco a margem para alívio fiscal no IRS, ou seja, para alterar os escalões em que encaixam as taxas que os contribuintes pagam pelos seus rendimentos. Dos 200 milhões de há uns dias, sabemos agora que Mário Centeno libertou mais 30 milhões de uma folga orçamental obviamente finita e sempre curta. Não chegará para acalmar PCP e Bloco, mas ainda sobra um mês de negociação até o OE2018 ser entregue na Assembleia da República. Entre IRS, carreiras e aumentos salariais na função pública e exigências de investimento aqui e acolá, Centeno e Costa irão certamente conseguir a quadratura do círculo e não será por aqui que a geringonça avaria.
Coisa diferente será a noite eleitoral. Um dos sinais de saúde do entendimento entre o governo e os parceiros à esquerda, dizem os próprios, são as sondagens. Aparentemente, não há sinais de erosão nas intenções de votos de PCP e Bloco, logo tudo vai bem na geringonça. Ora, sondagens testam-se em eleições e creio que não haverá maior ameaça à estabilidade do que uma derrota pesada do PCP na noite de 1 de outubro. Se o PCP perder peso autárquico, dificilmente Jerónimo de Sousa conseguirá convencer os camaradas de partido das vantagens em manter o apoio a um governo que, aos olhos das bases comunistas, pouco tem de “patriótico e de esquerda”.