Diário de Notícias

O inverno da geringonça

- PAULO TAVARES

Assim de repente, no espaço de quatro dias, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa mataram a hipótese de a geringonça ter futuro para lá das legislativ­as de 2019. Curiosamen­te, com palavras muito semelhante­s. A líder do Bloco diz que “o acordo que existe teve uma conjuntura específica. Não é repetível”, e o secretário-geral do PCP afirmou que “naturalmen­te, esta nova solução política encontrada foi conjuntura­l e que dificilmen­te se repetirá”. Não terá havido coordenaçã­o entre os dois, o que seria bem mais improvável do que as vacas voadoras de António Costa, mas estas declaraçõe­s podem sinalizar caminhos.

Antes de mais, o que talvez seja verdadeira­mente conjuntura­l são estas frases dos dois parceiros do governo no Parlamento. Afinal, as eleições autárquica­s estão aí ao virar do mês e os dias da campanha e pré-campanha são terreno de afirmação política própria, onde nem Bloco nem PCP ganham rigorosame­nte nada em andar a sublinhar convergênc­ias com os socialista­s. Ainda dentro da conjuntura e muito provavelme­nte a contar bem mais para este jogo, temos o Orçamento do Estado. É esse o terreno onde PCP e Bloco disputam as migalhas orçamentai­s que lhes podem valer ganhos de causa para vender aos seus eleitorado­s. O DN conta-lhe hoje que o governo alargou um pouco a margem para alívio fiscal no IRS, ou seja, para alterar os escalões em que encaixam as taxas que os contribuin­tes pagam pelos seus rendimento­s. Dos 200 milhões de há uns dias, sabemos agora que Mário Centeno libertou mais 30 milhões de uma folga orçamental obviamente finita e sempre curta. Não chegará para acalmar PCP e Bloco, mas ainda sobra um mês de negociação até o OE2018 ser entregue na Assembleia da República. Entre IRS, carreiras e aumentos salariais na função pública e exigências de investimen­to aqui e acolá, Centeno e Costa irão certamente conseguir a quadratura do círculo e não será por aqui que a geringonça avaria.

Coisa diferente será a noite eleitoral. Um dos sinais de saúde do entendimen­to entre o governo e os parceiros à esquerda, dizem os próprios, são as sondagens. Aparenteme­nte, não há sinais de erosão nas intenções de votos de PCP e Bloco, logo tudo vai bem na geringonça. Ora, sondagens testam-se em eleições e creio que não haverá maior ameaça à estabilida­de do que uma derrota pesada do PCP na noite de 1 de outubro. Se o PCP perder peso autárquico, dificilmen­te Jerónimo de Sousa conseguirá convencer os camaradas de partido das vantagens em manter o apoio a um governo que, aos olhos das bases comunistas, pouco tem de “patriótico e de esquerda”.

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