Os enfermeiros têm razão
Opaís está melhor e as pessoas também. Acabaram os cortes nos salários, as pensões saíram do congelador onde foram deixadas ao esquecimento, e tiveram um aumento real em 2017, a reposição dos feriados trouxe a justiça histórica do direito ao descanso merecido, o impossível aumento do salário mínimo nacional é hoje uma certeza de mais 52 euros mensais no bolso dos trabalhadores, entre muitos outros exemplos.
A confiança não significa que as injustiças tenham sido todas reparadas e que a pesada herança da governação PSD/CDS já não pese sobre as vidas de milhares de portugueses. Afinal de contas, as pessoas estão melhores, mas ainda não estão bem. Basta ver as carreiras congeladas na administração pública, o valor das horas extraordinárias (no público ou no privado) ainda longe do que era pago no passado, a dificuldade de investimento nos serviços públicos ou a legislação laboral onde os direitos roubados ainda não foram repostos.
É, por isso, compreensível – e até inevitável – que se exija mais reivindicação no país. Afinal de contas, a realidade mostra que é possível fazer um caminho de recuperação de rendimentos e reposição de direitos sem que o diabo se apresente. Essa é uma vitória da atual solução política e não um problema: ainda bem que hoje já ultrapassámos a chantagem do “viver acima das nossas possibilidades”. É com esta análise que enquadro a atual greve dos enfermeiros, nessa confiança que já existe no país.
Começo com a minha opinião: as reivindicações gerais dos enfermeiros são inteiramente justas. Esta classe profissional tem sido alvo de variadas injustiças ao longo do tempo. Historicamente, têm sido desvalorizados no setor da saúde, em que as suas competências não são plenamente reconhecidas e potenciadas. Esse sempre foi um ponto grande de disputas entre ordens, em que raramente os enfermeiros saíram vitoriosos.
A desvalorização é visível, também, em cada folha salarial, menor do que em outras carreiras comparáveis da administração pública (AP). Estes dois exemplos seriam já suficientes para dar razão aos enfermeiros, mas há mais, pois para além destes problemas específicos, há outras questões que prejudicam toda a AP.
A progressão nas carreiras na AP está congelada desde 2010. Aconteceu ainda durante o mandato de José Sócrates e decorreu da aplicação dos primeiros pacotes de austeridade. Esta injustiça cria uma enorme desmotivação: coloca recém-contratados com as mesmas condições de quem tem já quase uma década de experiência, retira qualquer perspetiva de evolução profissional e impede qualquer valorização remuneratória.
O Estado também não valoriza os seus trabalhadores e trabalhadoras que se especializam. É disso que se queixam os enfermeiros especializados, com razão. Apesar de terem investido na procura de mais conhecimento e de esse conhecimento ser aproveitado pelos hospitais, não têm qualquer vantagem remuneratória por essa especialização e responsabilidade.
O diferença de horários semanais de trabalho é também um motivo compreensível de desmotivação. Há um larguíssimo número de trabalhadores da AP que ainda mantêm as 40 horas semanais de trabalho por terem o vínculo através de um Contrato Individual de Trabalho (CIT). Isso significa que há muitas situações em que temos trabalhadores lado a lado, com as mesmas funções e salário, mas com horários semanais diferentes. Não é aceitável e tem de ser corrigido.
Igualmente grave é a falta de trabalhadores que se sente na AP. Isso é evidente no setor da saúde, como o é na educação. Este problema causa graves prejuízos ao funcionamento dos serviços públicos e resulta numa sobrecarga de trabalho para os profissionais existentes.
Como se percebe, os enfermeiros estão a ser duplamente penalizados: enquanto carreira específica do setor da saúde e enquanto trabalhadores da AP. Muito do que hoje sofrem é parte da herança pesada de PSD e CDS que temos de corrigir. É nisso que estamos a trabalhar e que temos dado prioridade nas negociações para o Orçamento do Estado de 2018, resgatando os direitos dos trabalhadores da AP.
A minha solidariedade com os enfermeiros não é, no entanto, extensível à bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco. Esta enfermeira foi dirigente do PSD e membro do seu Conselho Nacional no período da troika. Quando Passos Coelho cortava salários aos enfermeiros, aumentava o horário de trabalho para as 40 horas semanais e atacava as condições de trabalho no Serviço Nacional de Saúde, Ana Rita Cavaco estava sentada no principal órgão de direção do PSD. Foi cúmplice da degradação das condições de trabalho dos enfermeiros e não criticou a austeridade da troika.
Não ignoro, ainda, como Ana Rita Cavaco é tão pouco exigente com os prestadores privados de serviços de saúde. A exigência que coloca no número de profissionais no SNS, não é acompanhada por idêntica exigência aos privados onde os rácios de profissionais por utente são muito menores, colocando ainda mais problemas de trabalho e insegurança das pessoas. Dois pesos e duas medidas? Assim parece ser.
As reivindicações dos enfermeiros são justas apesar do passado de Ana Rita Cavaco e do cadastro de PSD e CDS, e não devem ser aí confundidas. O caminho da valorização de rendimentos e direitos não pode deixar ninguém para trás.
Os enfermeiros e enfermeiras estão a ser duplamente penalizados: enquanto carreira específica do setor da saúde e enquanto trabalhadores da administração pública. Muito do que sofrem hoje é parte da herança pesada de PSD e CDS que temos de corrigir