Roupa do Sul
T-shirts e toalhas alinhadas como no desfile do 10 de Junho ou do 14 de Julho. Lençóis e camisas em estreitas filas expostos aos caprichos do vento e do sol.Viver no Sul da Europa oferece esta inegável vantagem de poder estender a roupa à janela, beneficiando do modo de secagem rápida, longe dos secadores mecânicos grandes consumidores de energia e dinheiro. Aqui, no Sul, coloca-se a roupa na saliência da janela, sem ninguém se preocupar muito com a que já foi estendida pelos vizinhos do piso inferior.
A linda toalha cor de laranja da senhora do prédio do fim da rua floresce ao sol. As camisas da semana do senhor-que-trabalha-num-banco balançam suavemente na brisa do verão. Os inúmeros tops de renda da menina estudante do 4.º andar, que fica ali um pouco mais abaixo, parecem vírgulas coloridas. Quem me diz que essas pessoas são universitários, banqueiros ou donas de casa? Na verdade, ninguém, exceto a observação das janelas portuguesas. É essa observação que me permite aferir dos códigos de vestimenta aos hábitos de um lar, e informar sobre quem são os proprietários da roupa exposta. O resto é pura especulação, mais é um divertido jogo de adivinhação!
Sempre fiquei fascinada com os sistemas engenhosos implementados em Portugal para resolver o problema da secagem. Nos pátios ou nos quintais, usam-se grandes paus de madeira cortados numa extremidade para fazer um gancho ou um garfo, onde é colocado o fio para assim se poder elevar a roupa e colocá-la a uns bons metros do chão, que na etapa anterior ficava ao nível dos olhos para facilitar a tarefa de estender. É esta maravilha de estendal de aço que se ergue nos exteriores das marquises, das varandas ou nas janelas. Muito engenhoso. Não sei se o sistema está patenteado, mas nunca o vi em qualquer outro sítio.
O característico ranger do cabo a deslizar nas roldanas deve fazer parte, na minha opinião, da classificação dos ruídos característicos das cidades portuguesas da mesma forma que o deslize do elétrico nos carris em Lisboa ou que os pregões dos cauteleiros que vendem os bilhetes de lotaria: “Quem quer o 13?; quem quer o 69?” Bem, a última e magnífica moradia que visitei em Lisboa, a de um arquiteto, por outras razões jornalísticas, não tinha o genial sistema de aço (essas casas raramente estão em desordem e eu pergunto-me sempre como algumas pessoas vivem o quotidiano sem nunca ter nenhum pedaço de roupa estendida num cantinho. Um verdadeiro mistério). O acessório, na minha opinião, é essencial num apartamento novo ou reabilitado. Os dois suportes destinados a receber cabos e roldanas são afixados na parede, depois basta instalar o conjunto de cabo de aço e roldanas. Mas, atenção, tal só pode acontecer do lado do pátio. Os portugueses, esses bretões do Sul, têm pudor. Além disso, somos obrigados a constatar que há cada vez menos cuecas a fazer parte da panóplia da roupa à janela.
Depois de ter consultado algumas amigas sobre esta questão, cheguei à conclusão de que as portuguesas – os homens também – desenvolveram uma estratégia bem estudada. As cuecas, sexys ou não, de mulheres, homens ou crianças, velhas ou jovens, minimalistas ou estilo paraquedas, de renda ou de algodão tipo avó, fazem mesmo parte do conjunto de roupa que se estende à janela. São colocadas na corda que fica mais junto ao parapeito da janela, juntinhas, e em cima ou nos intervalos de outras peças de roupa. Para completar o subterfúgio, e não se ser desmascarado, pode-se sempre suspender uma T-shirt de cada lado. Mas quer seja um intimista ou não, a roupa à janela está a desaparecer, devido à pressão, sem dúvida, da crescente gentrificação, que tende a relegar a esfera privada às partes menos visíveis de nossa vida em sociedade. Revelar a roupa é revelar-se a si próprio, dizia o sociólogo Jean Baudrillard. No caso do Sul, é para mostrar a sua exuberância, o seu lado alegre e vivido, a proximidade e calor humano, as discussões das vizinhas de uma janela para outra, nessas ruas estreitas com um traçado medieval, isso é – reapropriação do espaço comum para os habitantes do Sul, onde o calor torna necessário viver mais dentro das casas.
Mas isto dá um ar um pouco desordeiro, sobretudo aos olhos dos promotores cujos clientes são essencialmente “nordistas”, não acostumados a esta propensão de lavagem. Um pouco invasivo, popular, de segunda zona. Na França, em 2014, em Béziers, uma comuna no Sul, o presidente da câmara, membro da Frente Nacional, quis impor a proibição de se estender roupa à janela, provocando uma onda de protestos. Ali, a roupa tornava-se terrivelmente política, e foi lavada em público: o presidente da extrema-direita tinha como objetivo reprimir a população magrebina e os seus “comportamentos contrários”. Outras cidades evocam, de forma mais hipócrita, “questões estéticas” para proibir a prática. Espero que durante muito tempo a roupa permaneça pendurada nas janelas portuguesas, como um hino para a doçura da vida. E ao clima ameno: conhecemos melhor barómetro do que a roupa a secar frente a uma casa portuguesa?
O característico ranger do cabo a deslizar nas roldanas deve fazer parte, na minha opinião, da classificação dos ruídos característicos das cidades portuguesas