Diário de Notícias

Auditores renunciam por falta de confiança na Yupido

José Rito e Maria Clara Rebelo apresentar­am a sua renúncia ao cargo de auditores oficiais das contas da empresa. Acusam a administra­ção de má-fé e pouca transparên­cia

- MARTA VELHO

José Rito afirma que não certificou as contas de 2016 da Yupido, ao contrário do que consta nos documentos oficiais da empresa

Foi publicada nesta quinta-feira, no Portal da Justiça, a cessação de funções de José Rito e Maria Clara Rebelo do cargo de fiscais das contas da Yupido. Há mais de dez dias, ainda antes de a empresa se tornar um tema quente, que os dois auditores tentavam apresentar a sua renúncia. “Desde 4 de setembro. Só que as minhas cartas registadas, com aviso de receção, foram devolvidas. Ou não as aceitaram ou não as receberam. Por isso, tive de ir formalizar a minha saída”, afirma José Rito ao DN/Dinheiro Vivo.

O motivo foi uma quebra de confiança na administra­ção. O contabilis­ta assegura que nunca certificou as contas da Yupido “sem reservas nem ênfases”, como indica o relatório e contas da empresa, relativo ao ano de 2016. “Isso não é verdade. O documento de certificaç­ão de contas que eles me apre- sentaram foi rejeitado por informação insuficien­te relativame­nte às operações, nomeadamen­te em relação ao aumento de capital efetuado.”

A Yupido ficou debaixo dos holofotes mediáticos na semana passada, depois de um professor universitá­rio ter descoberto, por acaso durante uma pesquisa, a empresa, com um capital social de valor invulgar: cerca de 29 mil milhões de euros, o equivalent­e ao dobro do valor de mercado da Galp. A história tornou-se viral nas redes sociais e logo passou para a imprensa.

A Yupido foi constituíd­a em julho de 2015 com um capital social já bastante elevado, de 243 milhões de euros, maioritari­amente justificad­os pela apresentaç­ão de um software inovador “de gestão para empresas, que funciona em multiplata­formas”, indica o documento particular que titula o contrato de sociedade anónima, a que o DN/Dinheiro Vivo teve acesso.

No início do ano seguinte, foi feito um aumento de capital, novamente com base na apresentaç­ão de um ativo intangível. Desta vez, o bem em causa era uma “plataforma digital inovadora de armazename­nto, proteção, distribuiç­ão e divulgação de todo o tipo de conteúdo media: destacando-se tal plataforma pelos algoritmos que a constituem”, indica a ata número dois do livro de atas da assembleia geral da empresa.

Foi esta plataforma que catapultou o capital social da Yupido para perto dos 29 mil milhões de euros. A sua avaliação foi feita por um revisor oficial de contas independen­te à empresa, como obriga o Código das Sociedades Comerciais. O especialis­ta em causa foi António Alves da Silva, com mais de 50 anos de experiênci­a e reconhecid­o entre os pares.

Só que a avaliação feita não convenceu o revisor oficial das contas da Yupido. “Não me considero satisfeito com as informaçõe­s que me foram prestadas pelo revisor independen­te e muito menos pela administra­ção, que não me deu nenhuma informação objetiva que justifique aquele valor”, indicou José Rito. O auditor acrescenta ainda que, ao longo do tempo, foi detetando várias outras falhas nos responsáve­is da Yupido. “Situações de falta de boa-fé ou de transparên­cia.Vim a constatar que houve informaçõe­s que me prestaram que não eram verdade.”

O caso tem estado sob investigaç­ão. A Polícia Judiciária está a averiguar a idoneidade dos dados apresentad­os pela empresa e também a Comissão do Mercado de Valores Mobiliário­s, junto com a Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, estão a analisar a avaliação feita por António Alves da Silva.

O caso Yupido já ecoou na imprensa internacio­nal. A história apareceu nesta semana em meios de comunicaçã­o espanhóis e holandeses, que ficaram curiosos com a empresa, que não tem nem vendas nem funcionári­os e é bastante ambígua quanto à área de atividade. Os documentos oficiais indicam que atua em ramos tão díspares como consultori­a tecnológic­a, contabilid­ade, venda de publicidad­e e edição de livros, jornais e revistas.

Francisco Mendes, porta-voz da empresa, garantiu a origem legal da Yupido, explicando que está a ser preparado para o próximo ano o lançamento de “uma série de serviços em diversas áreas”. O responsáve­l afirmou também que a empresa está disponível para esclarecer as autoridade­s sobre qualquer dúvida que possa surgir.

O DN/Dinheiro Vivo tem tentado chegar à fala com a administra­ção da Yupido, sem sucesso. Também para o agora ex-auditor de contas estava a ser difícil alcançá-los. “Nem sei onde é que eles estão. Mandei e-mail, mandei mensagens. Não tive qualquer resposta.”

 ??  ?? A Yupido, com um capital social de quase 29 mil milhões de euros, era desconheci­da até à semana passada
A Yupido, com um capital social de quase 29 mil milhões de euros, era desconheci­da até à semana passada

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal