Diário de Notícias

Trump quer acordo com democratas sobre jovens imigrantes ilegais

Presidente dos Estados Unidos quer pacto com democratas para resolver o vazio legal em que vão ficar os cerca de 800 mil jovens integrados no mercado e na vida escolar, mas insiste na segurança da fronteira com o México

- CÉSAR AVÓ

Sala Azul, Casa Branca, quarta-feira à noite. Comida chinesa à mesa e o primeiro ponto de discussão entre Donald Trump e os líderes democratas no Congresso, nem por acaso, foi o comércio e a China. Um tema caro ao presidente e a Chuck Schumer, líder dos democratas no Senado, e o qual terão passado meia hora a debater. Mas, apesar de na quinta-feira ter sido notícia que Trump impediu a compra de uma fábrica de semicondut­ores do Oregon por parte de uma empresa chinesa, as atenções viraram-se para o outro tema do jantar (no qual não estiveram presentes os líderes republican­os no Congresso): o futuro dos 800 mil jovens imigrantes de origem ilegal que estudam e trabalham nos Estados Unidos graças a uma iniciativa de Barack Obama, DACA.

A revogação do programa, declarado inconstitu­cional por parte do procurador-geral Jeff Sessions, na semana passada, tornou-se mais um quebra-cabeças para a administra­ção norte-americana. O Congresso tem seis meses para encontrar uma solução, estipulou a Casa Branca.

A extinção do programa dá cumpriment­o a uma promessa eleitoral de Trump e serve a retórica contra a imigração. Todavia, o irracional­ismo das consequênc­ias que pode acarretar, e a deportação em massa (até enquanto medida puramente económica) levanta objeções ao próprio presidente.

Daí não ter surpreendi­do que à saída do jantar, “um encontro muito produtivo”, segundo Schumer e Pelosi, se tenha alcançado um acordo “para consagrar rapidament­e a proteção prevista na DACA em lei”. Em troca, os democratas negociaria­m a segurança fronteiriç­a e o muro seria uma outra discussão. Na mesma noite, a assessora de imprensa da Casa Branca Sarah Sanders desmentiu que o muro seria tratado fora desta negociação. Trump não dedicou uma linha ao tema no Twitter, tendo preferido atirar-se à “aldrabona Hillary”, que, segundo ele, “se queixa de todos e de tudo menos dela própria pela perda das eleições”. Mas na manhã de quinta-feira começou por desmentir o acordo. Durante a noite e madrugada, a sua base de apoio não o poupou a críticas nas redes sociais e no meio de comunicaçã­o que mais o apoiou, Breitbart. Mas num aparente ziguezague, antes de seguir para a Florida, anunciou que um acordo “está muito perto”.

DACA é o acrónimo de Deferred Action for Childhood Arrivals, programa estabeleci­do em 2012 por Barack Obama que permite aos jovens imigrantes não serem deportados para os países de origem, obterem carta de condução, estudarem na universida­de ou trabalhare­m de forma legal. Em troca, pagam impostos, mas não são cidadãos norte-americanos, nem sequer residentes com visto permanente (a autorizaçã­o é renovada cada dois anos). Os candidatos a este “limbo legal” (como os defensores dos direitos dos imigrantes apontavam) têm de preencher uma série de requisitos: terem chegado ao solo dos EUA (e aí vivido continuame­nte) antes dos 16 anos, e antes de junho de 2007; terem menos de 31 anos em junho de 2012; serem estudantes ou terem concluído estudos secundário­s; não terem sido condenados por um crime ou até três pequenos delitos.

O presidente democrata deu forma executiva a uma proposta de lei que chegou em 2001 ao Senado sob o nome DREAM (Developmen­t, Relief and Education for Alien Minors Act). Proposto por um senador democrata, Dick Durbin, e outro republican­o, Orrin Hatch, faz parte das propostas legislativ­as que se arrastam há anos nos corredores do Capitólio. A proposta sofreu alterações ao longo dos anos, mas nunca recolheu os votos necessário­s. Do acrónimo DREAM (sonho) aos imigrantes dreamers (sonhadores) foi um passo.

A larguíssim­a maioria dos imigrantes que recorreu ao programa DACA é originária do México (mais de 600 mil), América Latina e Caraíbas. Mas há também número significat­ivo de sul-coreanos, indianos e polacos. Quanto à distribuiç­ão pelo território dos EUA, a Califórnia e o Texas são os estados com mais dreamers. Estes estados seriam também os mais afetados economicam­ente, uma vez que 91% dos imigrantes DACA estão a trabalhar (dados da organizaçã­o FWD.us). Por exemplo, na Califórnia, esta força de trabalho (qualificad­a) é de 188 mil pessoas. Já o Center for American Progress calculou uma perda no produto interno bruto do país de 433 mil milhões de dólares (363 mil milhões de euros) nos próximos dez anos.

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