O serralheiro português que restaurou o carrossel de Coney Island
Começou numa garagem e hoje emprega 37 pessoas. Diretor do centro comunitário de Yonkers, David Oliveira garante que na hora de comer prefere pratos portugueses
David Oliveira saiu de Ourém com 17 anos. “Vim sozinho. Fui de Portugal para o México, parando em Espanha e depois no Canadá. Da Cidade do México viajei até Tijuana. Atravessei a fronteira, fui para Los Angeles. Daí, apanhei o avião e fui para Newark, New Jersey. Levei duas semanas para chegar aos Estados Unidos”, conta ao DN, sentado num hotel na baixa de Nova Iorque. Uma viagem longa, mesmo assim menos do que a do irmão que levara um mês inteiro a chegar atéYonkers, a quarta maior cidade do estado, a norte de Manhattan. Foi para lá que David seguiu e ainda hoje o serralheiro vive naquela zona, em Pleasantville, Westchester – “a dez minutos de Hillary Clinton”. Mas as suas obras estão mais em Nova Iorque, como o famoso carrossel de Coney Island, em cujo restauro trabalhou há uns anos.
Construído em 1932, o carrossel e os seus 50 cavalinhos de madeira são uma das grandes atrações do Luna Park, com aparições em filmes como Annie Hall, de Woody Allen, ou Tudo em Jogo, de Spike Lee. Este trabalho obrigou aWestchester Metal Works Inc., a empresa de David, a “uma grande obra de engenharia” para conseguirem “manter a estrutura metálica original”.
Em meados dos anos 1980, David sentia que “Portugal estava numa fase
má. Muitos jovens formavam-se mas não tinham emprego”. Por isso David decidiu atravessar o Atlântico e partir à aventura para a América. O rumo foi um pouco diferente do que começara a seguir em Portugal, onde trabalhara como mecânico de automóveis. Em Yonkers foi como serralheiro que conseguiu emprego. Os colegas de trabalho até eram portugueses, o que facilitou a integração. “O meu inglês era muito pouco. Era a época em que em Portugal se estudava francês. Ninguém queria estudar inglês”, lembra, garantindo que quando chegou mal sabia “contar até dez em inglês”.
A verdade é que ter aulas para aprender a língua não era a sua prioridade quando chegou à América. Até porque “ainda tentei mas quando cheguei aqui precisava tanto de dinheiro... que tinha de aproveitar todas as horas e todos os minutos para trabalhar”. O problema é que trabalhava tanto que acabava por não ter sequer tempo para gastar o dinheiro que ganhava. Tudo começou numa garagem Depois de alguns anos a trabalhar para outros, David estabeleceu-se por conta própria. Tudo começou numa garagem “pequenina”, a fazer proteções para janelas. Mas o negócio foi crescendo e se o empresário da metalurgia começou por recear contratar alguém por temer que na segunda semana já não tivesse como lhe pagar, a verdade é que hoje emprega 37 pessoas. E até já chegou a dar emprego a 53. Pelo caminho ficaram alguns problemas com os sócios, mas tudo isso está ultrapassado. Hoje os carros da frota daWestchester MetalWorks Inc. saem de Yonkers, onde ficam os escritórios da empresa, em direção às obras, muitas delas em Manhattan. Uns prédios novos junto à universidade de Columbia ou outro projeto entre a 34th Street e a Décima Avenida, além do recente restauro do Fulton Market.
A empresa, essa, passou há sete anos a ter a mulher, Susana, como presidente. David é o vice-presidente. O motivo? Os benefícios fiscais previstos para as mulheres na lei americana. “Se está na lei, a gente aproveita!”, exclama David com um riso. David e Susana conheceram-se em 1992 e dois anos depois casaram-se e foram viver para Jersey onde “ela tinha um trabalho que não nos convinha perder: era secretária numa farmacêutica”, conta o empresário
Manter o negócio na família é uma possibilidade, até porque o filho mais velho, de 21 anos, está a estudar Engenharia no Manhattan College, mas desde muito novo começou a trabalhar com o pai. “Ele está muito dentro do negócio. Começou comigo cedo. Nas férias, aos sábados e feriados”, garante David. Aos 18 anos e de entrada na universidade, a filha parece mais disposta a enveredar pela área da mãe, o setor farmacêutico. Quanto ao mais novo, de 13 anos, “ainda tem muito tempo para pensar nisso”.
Três décadas depois de ter ido para a América, a ligação a Portugal continua forte. “Vou todos os anos a Portugal. O meu pai faleceu há cinco anos, mas a minha mãe está viva. Continua na zona de Ourém. Tenho lá um apartamento, onde fico uns dias. E no resto do tempo ando a passear pela Europa. Não paro!”, diz David sem esconder o entusiasmo.
Os filhos também gostam da terra natal do pai, mesmo se falar português se torna cada vez mais difícil. “O mais velho fala português tão bem como eu ou quase. Nunca foi à escola portuguesa. Em casa falava-se muito português. Agora não”, explica David num excelente português, pontuado por algumas expressões em inglês. Talvez por os pais usarem cada vez menos a língua portuguesa, a filha do meio “até queria falar, mas fica chateada por os pais estarem a falar português”. Já o mais novo, fala ainda menos, mesmo se “gosta, vai a Portugal, quer falar e tem vontade de aprender”.
Na geração anterior à de David, o problema é o contrário. É a rir que o empresário confessa que o sogro “nem inglês fala”. Apesar de ter vivido na América “a vida toda”, sempre trabalhou na construção, com colegas portugueses e como “vive na zona de Newark, não precisa. Tem tudo em português”. Maior cidade do estado de New Jersey com 280 mil habitantes, Newark tem uma grande comunidade portuguesa, com o maior afluxo a chegar nos anos 1950. Envolvido na comunidade Onde a comunidade portuguesa também é muito ativa é em Yonkers. E David Oliveira é um dos dinamizadores do Centro Comunitário Português, cuja presidência assumiu em janeiro. Com cerca de 400 membros, o centro inclui uma escola portuguesa, bar e restaurante onde os sócios podem conviver , jogar às cartas. Ali encontram ainda uma sala de festas com capacidade para 400 pessoas. Não faltam também um rancho e, claro, um clube de futebol. “Chegou a haver uma equipa adulta, mas agora são só os juvenis”, explica David.
Se para o futebol voluntários não faltam – ou não fosse Cristiano Ronaldo um dos embaixadores, senão o melhor, de Portugal junto das comunidades –, o rancho coloca outro tipo de desafios. “Temos muitos interessados. Mas o problema é que os próprios pais não trazem os filhos para o centro português. Começando por mim, que cometi esse erro. Eles têm de ser puxados senão isto vai acabar”, afirma David. E também é tudo uma questão de idades. É que se os adolescentes – “ali entre os 15 e os 18 anos” – até veem o rancho como uma forma de estarem juntos, os mais pequeninos “querem fugir dali”. E o rancho do centro é para os mais jovens.
Outra dificuldade é encontrar quem toque concertina para o rancho. “É um problema aqui encontrar-se bons músicos. As poucas pessoas que sabem tocar estão sempre ocupadas”, garante o empresário.
E como é que os amigos americanos reagem ao envolvimento dos jovens portugueses na comunidade? “Aqui muitos passam a maior parte do tempo no clube e os amigos dali fazem parte do mesmo grupo. Mas na escola, não sei. Se começarem a dançar de maneira típica para mostrar aos amigos da escola, se calhar são gozados”, admite.
Lá em casa há pouco tempo para manter as tradições portuguesas, sobretudo na cozinha. Mas “quando vamos ao centro português ou a um sítio que tenha uma dobrada ou feijoada ou cozido à portuguesa, escolhemos os pratos portugueses. Até os meus garotos gostam!”
David continua ligado a Portugal: “Vou lá todos os anos. A minha mãe continua na zona de Ourém. Tenho lá um apartamento, onde fico sempre uns dias”