Diário de Notícias

“O Diário de Anne Frank não faz parte da indústria do Holocausto”

Memória. O Diário foi publicado em 1947. A nova edição utiliza o registo da novela gráfica para falar a linguagem dos leitores mais jovens

- JOÃO CÉU E SILVA, em Paris

Quando se pensa na II Guerra Mundial, O Diário de Anne Frank é uma das primeiras memórias a surgir. Não será por acaso, dizem os entendidos, mas por tratar-se de um documento sem igual ao relatar a vida de oito moradores num anexo em Amesterdão durante 743 dias e, principalm­ente, o pensamento de uma menina perante um dos mais trágicos momentos da história do século XX.

Desde cedo que Otto Frank, o pai de Anne, fez questão de publicar os seus escritos, e até hoje o Diário continua a ser lido e reeditado em todo o mundo e a seduzir novos leitores. Para não deixar de manter a atualidade de um dos testemunho­s mais vividos da II Guerra Mundial, a Fundação Anne Frank convidou Ari Folman e David Polonsky a adaptar as mais de 400 páginas do livro original no formato de novela gráfica, um suporte mais adequado aos jovens de hoje. Porque se Anne tinha 14 anos, decerto o seu Diário dirá muito aos da sua idade, além de ser uma narrativa de dias em muito semelhante­s aos que milhões de crianças vivem em 2017 nos países em convulsão e guerra.

A fundação decidiu convidar a dupla Folman-Polonsky, que é mundialmen­te conhecida através do documentár­io animado AValsa com Bashir, por achar que o rigor de um e a arte do outro transforma­riam O Diário de Anne Frank numa versão capaz de atrair novos leitores. A intenção era adaptar à nova linguagem da juventude e o melhor pretexto está no 70.º aniversári­o da publicação de o Diário, em 1947.

A novela gráfica respeita o livro original, mas vai mais longe ao condensar num terço de páginas todas as de texto, um esforço só possível ao gerar visualment­e a maioria dos sentimento­s descritos em várias entradas do Diário numa única ilustração, por exemplo. Um esforço que levou Ari Folman a recriar o texto sem o alterar e David Polonsky a investigar a época e o anexo, para que o novo leitor compreenda o que foi a realidade dos que estiveram enclausura­dos com Anne Frank mais de dois anos.

A solução foi fazer do Diário uma espécie de filme animado, situação que não lhes era estranha devido a uma colaboraçã­o de 14 anos, e que permitiu ao argumentis­ta sugerir ao ilustrador uma forma de dar aos leitores mais do que o Diário original contém, afinal nas entrelinha­s das legendas da novela gráfica está presente a grande imaginação que ambos consideram ser uma qualidade de Anne Frank. Ari Folman explica: “Ela observava o mundo dos adultos à sua volta e o que referia era uma interpreta­ção muito inteligent­e e divertida.” Daí que esta alegria de Anne esteja sempre muito presente, opinião que Polonsky também partilha e continua: “Todo o humor do Diário continua presente, só se acrescenta o contexto histórico em que é escrito.”

A grande questão da adaptação era manter o estatuto de documento do Diário. Para Folman, a solução foi manter algumas das cartas para a amiga imaginária de Anne, Kitty, nesta novela gráfica: “Muitas vezes confrontav­a-me com oito páginas impossívei­s de converter no álbum.” O mesmo com Polonsky: “Foi preciso escolher só o que era importante para mostrar a sua personalid­ade, nem que no Diário fossem apenas três parágrafos, como foi o caso do morador que fazia salsichas.”

A atualidade de O Diário de Anne Frank ficou demonstrad­a com a presença de mais de meia centena de jornalista­s de todo o mundo para

A adaptação do Diário original deu muita força ao espírito irreverent­e de Anne Frank, bem como à sua alegria e o ser muito divertida

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Uma das páginas da novela gráfica usa O Grito de Munch para condensar a dureza da vida de Anne Frank
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Uma das poucas fotografia­s que mostram Anne Frank nos anos da II Guerra Mundial

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