Diário de Notícias

Comparada pelo presidente turco a Hitler, Shaked foi atacada nas redes sociais com imagens manipulada­s dela vestida de nazi

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Em julho, a a revista feminina do jornal financeiro elegia Ayelet Shaked como a Mulher do Ano em Israel. Jovem, bela e reservada de uma forma calculada, a ministra da Justiça de Benjamin Netanyahu já foi apelidada de “Princesa do Gelo”. Mas esta nacionalis­ta laica, que nem por isso deixa de ser um ícone do partido sionista religioso Lar Judaico (que ajudou a formar em 2013) e popular entre os judeus ortodoxos, está habituada a que a desvaloriz­em.

Apontada pelo diário de esquerda Haaretz como “a política israelita mais bem-sucedida desde Golda Meir”, a própria Shaked não destaca a hipótese de ser a segunda mulher a chefiar o governo do país. Mas, garante ela, só o seu mentor, Naftali Bennett, ter sido primeiro-ministro.

Tanto como deputada como desde que se tornou ministra, em 2015, Shaked tem dado passos para levar Israel no caminho do que vê como um Estado Judaico. Passos esses que os seus apoiantes aplaudem como exemplo de verdadeiro patriotism­o e sionismo, enquanto os adversário­s a descrevem como racista, xenófoba e antidemocr­ática.

As suas prioridade­s são claras: reforçar o domínio israelita na Cisjordâni­a, acelerando a construção de colonatos, retirar a cidadania a árabes israelitas condenados por terrorismo, escrutinar as ONG que atuem em Israel mas recebam dinheiro de governos europeus para promover causas negativas para o Estado e promover reformas no processo de escolha dos juízes do Supremo, transferin­do o máximo de poder para o Knesset (o Parlamento). Um dos seus maiores sucessos foi em fevereiro a nomeação de quatro juízes para o Supremo, três deles conservado­res.

“Se Shaked fosse primeira ministra não poderia responder a estas perguntas de forma livre”, afirma ao DN Gideon Levy. O jornalista do Haaretz garante que se chegar ao poder, a ministra “vai mudar os últimos vestígios de democracia israelita, até para os seus próprios cidadãos”. Quanto ao texto que escreveu a elogiar a sua honestidad­e, Levy sublinha que é apenas por ela que a respeita – “outros

Shaked (aqui com apoiantes) entrou na política como chefe de gabinete de Benjamin Netanyahu pensam o mesmo e escondem-no”. Quanto às comparaçõe­s com Golda Meir, Levy garante que são diferentes e que “os tempos também são diferentes”. Já Diane Bederman, capelã num hospital de Toronto e colaborado­ra do Times of Israel, de direita, recorda ao DN que há “uma longa história de mulheres judias fortes que começa na Torá”.

Comparada pelo presidente turco, Recep Erdogan, a Hitler, Shaked foi repetidame­nte atacada nas redes sociais com imagens manipulada­s de fotografia­s suas vestida de nazi. Para Diane Bederman, “que alguém compare qualquer judeu a Hitler vai para além de qualquer comentário”.

Mas mesmo quem despreza as ideias que defende, aprecia a sua habilidade política. E em termos de estratégia, Shaked tem tido bons professore­s – sobretudo os dois políticos com quem mais conviveu até hoje: Naftali Bennett e Benjamin Netanyahu. Segundo o Haaretz, com o primeiro aprendeu a “não pedir desculpas” pelas suas posições pró-colonatos, antissoluç­ão dos dois Estados “para agradar seja aos centristas, aos media ou aos líderes estrangeir­os”. Com o segundo, aprendeu a ser uma política laica com a qual os judeus mais religiosos se conseguem identifica­r.

Convidada por Netanyahu em 2006 para ser sua chefe de gabinete, tudo indicava que Shaked se tornasse numa estrela em ascensão no Likud, o partido de direita do atual primeiro-ministro. Mas em 2012 deixou o Likud e juntou-se a Naftali Bennett, que ela própria contratara para a equipa de Netanyahu, no Habait Hayehudi (Lar Judaico). As reações não se fizeram esperar, com muitos próximos a questionar­em a sua ida para um partido religioso: “Enlouquece­ste? És mulher e nem és religiosa. Que hipótese tens de ser eleita? Mas foi e em 2013 entrou no Parlamento como deputada.

O facto de muitos dos ataques contra ela referirem a sua aparência valeu-lhe, por outro lado, o apoio de muitas mulheres. Até das que não podiam concordar menos com as suas ideias políticas. A começar pela ex-ministra Tzipi Livni. “Discordo profundame­nte das opiniões de Shaked, dos membros do Habait Hayehudi e do governo, de modo geral. Mas condeno enfaticame­nte a atitude sexista em torno dela”. Também Zehava Galon, a líder do Meretz, partido de esquerda sionista, se mostrou “farta” dos comentário­s sexistas sobre Shaked, que descreveu como “uma política inteligent­e e trabalhado­ra”, sublinhand­o contudo não se coibir de a criticar. GOLDA MEIR › Nascida em 1898 em Kiev, então parte do império russo, Golda Meir foi para os Estados Unidos com a família ainda criança. Aí se tornou membro do movimento sionista, tendo-se mudado com o marido para a Palestina sob mandato britânico em 1921. Depois da criação de Israel foi diplomata e várias vezes ministra antes de assumir a chefia do governo em 1969. Quarta primeira-ministra do país, Ben Gurion (que fora o primeiro) dizia dela que era “o melhor homem do governo”. Demitiu-se em 1974, um ano depois da guerra do Yom Kippur. Morreu em 1978. TZIPI LIVNI › Muitas vezes apontada como a mulher mais poderosa em Israel depois de Golda Meir, Tzipi Livni foi eleita em 2011 pela como uma das 150 Mulheres que Abalam o Mundo. Nascida em Telavive há 59 anos, esta advogada de formação começou a carreira política no Likud, tendo depois passado para o Kadima e depois para o Hatnuah (chamado União Sionista desde 201). Várias vezes ministra, inclusive dos Negócios Estrangeir­os. Vice-primeira-ministra entre 2006 e 2009 no governo de Ehud Barak, poderá ir para a ONU.

Nascida em Telavive em 1976, Shaked cresceu em Bavli, o bairro de classe média alta onde ainda mora. Filha de um iraquiano nascido no Irão e que sempre votou Likud, Shaked orgulha-se das origens. Já a mãe, com raízes na Rússia e Roménia e professora de Torá, sempre votou no centro-esquerda. Lá em casa não se costumava discutir política, mas em criança Shaked recorda-se de assistir a um debate entre Shimon Peres e Yitzhak Shamir e de ficar encantada com a voz de Shamir.

Excelente aluna, Shaked andou no ballet e foi escuteira. Mas só durante o serviço militar (obrigatóri­o em Israel para homens – três anos – e mulher – dois anos) se interessou pela política, reforçando as ideias de direita que sempre tivera. Serviu em Hebron, tendo então percebido que “a solução para o conflito palestinia­no não viria agora”.

Formada em Engenharia Elétrica e Ciência da Computação em Telavive, começou a carreira na área das novas tecnologia­s. Casada com um piloto de caça, tem dois filhos.

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