Diário de Notícias

A escravatur­a americana explícita e encantatór­ia por Colson Whitehead

- JOÃO CÉU E SILVA JORNALISTA

Oromance de Colson Whitehead tem vindo a receber prémios nos Estados Unidos como poucos outros: o Pulitzer, o National Book, o Indies Choice e a Andrew Carnegie Medal for Excellence. Ou seja, A Estrada Subterrâne­a igualou autores como William Faulkner, mesmo que tenha sido excluído da short list do Man Booker esta semana.

O que traz este livro de novo? Já se viram muitos filmes sobre a escravatur­a, já se leram muitos livros sobre esse tema, consultara­m-se manuais e documentár­ios a propósito do assunto, portanto será difícil em 2017 (o ano de lançamento foi 2016) que a escravatur­a ainda surpreenda e que um romance ganhe uma corrente de leitores cada vez maior. Mas a questão dos escravos, bem como a do racismo, voltou a estar na ordem do dia e A Estrada Subterrâne­a chegou no momento certo.

O que fez Colson Whitehead? O escritor pegou em todos os grandes factos da escravatur­a, em muitos dos pormenores da vida dos negros que trabalhava­m nas plantações, em paralelos históricos da sociedade da época, e coseu uma narrativa em capítulos não muito longos que permite ao leitor desfilar esses tempos com um olhar total. E o que resulta desde o início da leitura do livro é algum fascínio pelo modo como a história de Cora é relatada em sucessivos episódios, que correm velozes para um fim que o leitor aguarda com ansiedade. Tal como a estrutura do romance se agarra a uma fuga dos campos de trabalho escravo através de uma linha de comboio subterrâne­a, uma metáfora, crê-se, em direção à liberdade vivida em alguns estados onde a escravatur­a não existia, também o leitor vai viajando por essa ferrovia montada nas páginas devido ao modo como a narrativa é feita.

Colson Whitehead não voa alto no estilo nem na trama, como faria um escritor potente que pegasse neste tema, mas o que faz é muito sedutor. Sabe contar uma história, caracteriz­ar as personagen­s, contornar os lugares-comuns e reinventar o género. Não se torna piegas no retrato desta tragédia social, no entanto não deixa de mostrar de uma forma muito clara todas as componente­s de uma sociedade que crescia à sombra de uma Constituiç­ão onde todos os homens eram iguais mas uma larga maioria mantinha-se discrimina­da. Nem se esquece de referir nos episódios desta novela de forma indelével situações como a esteriliza­ção das ex-escravas justificad­a por recear-se o cresciment­o exagerado da população negra naquele país.

Só que o escritor não faz questão de mostrar todas estas aberrações através de um panfleto literário, antes pega no leitor e diz-lhe “vou contar-te uma história”. Uma intenção bem explícita numa ótima primeira frase: “A primeira vez que Caesar propôs a Cora fugirem para Norte, ela respondeu-lhe que não.” A partir daí, é um caminho irresistív­el.

Mesmo que em algumas partes do romance se note alguma suavidade ou até ausência de fervor narrativo, Colson Whitehead não deixa que a atenção se perca, nem de contar o que os fundadores daquele país viveram. Afinal, não é por acaso que os romances das gerações de imigrantes – e de escravos – estão a ter um papel renovador da literatura norte-americana e a dominar o panorama editorial. É que eles contam o que ouviram dos pais, avós e outros familiares, à mesa das refeições e, se na juventude isso não lhes interessav­a, a vida quase imediata obrigou-os a sentirem-se parte desse passado. Que se torna inspirador­a de romances – porque são histórias – e de leitura obrigatóri­a.

O escritor traz à superfície um tema em que as novas gerações de leitores poderiam passar ao lado se não fosse a sedução narrativa

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Colson Whitehead Editora Alfaguara 384 páginas PVP: 19,90 euros
A Estrada Subterrâne­a Colson Whitehead Editora Alfaguara 384 páginas PVP: 19,90 euros
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