Diário de Notícias

Ministra quer incendiári­os em casa com pulseira. Juízes duvidam

Justiça. Medida foi aprovada em agosto mas só entrará em vigor em novembro. Magistrado­s argumentam que não haverá meios para controlar a vigilância eletrónica e as tentativas de fuga

- RUTE COELHO

Os condenados por incêndio florestal a penas suspensas em execução ou já em liberdade condiciona­l por este crime passam a ficar sujeitos a obrigação de permanênci­a na habitação com pulseira eletrónica nos meses de verão em que há mais ocorrência­s de fogos. O novo regime sancionató­rio para os incendiári­os condenados foi publicado a 23 de agosto e entra em vigor a 23 de novembro. Mas os juízes têm dúvidas quanto a esta medida do Ministério da Justiça. “Merece-nos reservas a nível dos princípios e da eficácia”, referiu ao DN o secretário-geral da Associação Sindical de Juízes Portuguese­s, João Paulo Raposo. O jurista sublinhou que haverá “grande dificuldad­e em ter técnicos de reinserção social e polícias em número suficiente” para controlare­m a vigilância eletrónica e as tentati- vas de fuga destas pessoas. Até ao momento, não há qualquer arguido a cumprir pena na habitação com vigilância eletrónica pelo crime de incêndio, uma pena que só seria possível para condenados até dois anos, respondeu ao DN a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais. Mas a cumprir a medida de coação de permanênci­a na habitação com vigilância eletrónica, fixada antes do julgamento, estão 12 arguidos – 11 homens e um mulher – por crime de incêndio. Desses, seis já foram detidos neste ano.

Questionad­a sobre a eficácia desta medida de coação quando há tantos incendiári­os com problemas mentais e de alcoolismo, a DGRSP respondeu que “não avalia as medidas com base no crime cometido, mas sim em função da medida enquanto tal”. E concretiza: “A decisão judicial de cumpriment­o de medida de coação de obrigação de permanênci­a na habitação com vigilância eletrónica tem uma taxa de sucesso de 94%, independen­temente do crime”.

Para o representa­nte dos juízes, esta medida pode colidir com a falta de meios. “Se tivermos 500 incendiári­os enquadrado­s no novo regime sancionató­rio, temos de ter um corpo de vigilância grande, com capacidade para responder de imediato se houver cinco suspeitos que saem à rua às quatro da manhã. Ou seja, tem de haver forças de segurança que rapidament­e consigam deter os possíveis fugitivos”, diz João Paulo Raposo. O secretário-geral da ASJP considera que se trata de uma “medida politicame­nte vendável, mas é muito difícil garantir que se evita o crime só porque estas pessoas estão em casa. Pode haver problemas sérios”.

Metade estão em preventiva

O objetivo da ministra da Justiça, Francisca van Dunem, de colocar grande parte dos detidos por incêndio florestal em prisão preventiva colide com a prática judicial. “De acordo com os nossos dados do início de setembro, dos 92 detidos deste ano por crime de incêndio florestal, 45 estão em prisão preventiva e seis em regime de permanênci­a na habitação”, adiantou Rui Almeida, diretor da Diretoria do Centro da Polícia Judiciária

Rui Almeida reconhece que “a prisão preventiva tem sido a única forma de os controlar”, uma vez que a maior parte dos detidos na região centro do país são “quase indigentes. Têm escassos recursos e famílias desestrutu­radas”, argumentou. Mas, segundo Rui Almeida, os dados recolhidos até ao início de setembro não contrariam o padrão habitual: a maior parte dos detidos homens são “desemprega­dos, agricultor­es ou pastores, reformados, inválidos ou inativos”. E agiram para “chamar a atenção, para limpar terrenos ou por alcoolismo”.

O responsáve­l da PJ assinala a grande subida do número de mulheres detidas, “das duas ou três habituais por ano passaram para 14. A maioria também não tem ocupação, duas são agricultor­as e outras duas não têm profissão”. Segundo explica, estas mulheres atearam fogos motivadas por vinganças passionais, divórcios e relações mal resolvidas.

O perfil do incendiári­o traçado pela psicóloga da PJ Cristina Soeiro aponta para o facto de uma grande parte destes sofrerem de problemas cognitivos ou de demência alcoólica. Talvez a pensar nisso o novo regime do governo para os incendiári­os preveja um programa de acompanham­ento específico para tratar o incendiári­o, que pode ser aplicado em ambiente prisional ou não prisional, explicou fonte do Ministério da Justiça.

“É muito difícil garantir que se evita o crime só porque estas pessoas estão em casa”, refere o juiz João Paulo Raposo, da ASJP

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