Diário de Notícias

Portugal no mapa dos estudos japoneses

- ANA FERNANDES PINTO INVESTIGAD­ORA INTEGRADA DO CENTRO DE HUMANIDADE­S DA FCSH DA UNIVERSIDA­DE NOVA DE LISBOA Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfic­o

Decorreu na FCSH – Universida­de Nova a 15.ª edição da Conferênci­a Internacio­nal da European Associatio­n for Japanese Studies, onde acima de 1200 especialis­tas em estudos japoneses tiveram oportunida­de de assistir, apresentar e discutir os resultados da sua investigaç­ão. Os trabalhos distribuír­am-se por 244 painéis, organizado­s em 12 secções temáticas, tão diversific­adas das Ciências Humanas quanto abrangente­s da civilizaçã­o japonesa. Testemunha­ndo a importânci­a deste encontro internacio­nal, nos dias prévios ao congresso realizaram-se ainda outros seminários da iniciativa de centros de investigaç­ão de universida­des japonesas.

Foi a primeira vez que Portugal acolheu esta conferênci­a, que se realiza apenas trienalmen­te mas de forma contínua desde 1976, depois de ganha a candidatur­a da cidade de Lisboa, apresentad­a pelo CHAM – Centro de Humanidade­s. A conferênci­a excedeu todas as expectativ­as, pelo número de inscritos, mas também na percentage­m de participan­tes vindos do Japão, na percentage­m de portuguese­s participan­tes e na apresentaç­ão de vários painéis em que se debateram questões relacio- nadas com a presença portuguesa no Japão: as interacçõe­s científica­s, o cristianis­mo, a sua influência nas artes performati­vas e visuais, na cultura escrita e nas políticas de regulação por parte das autoridade­s nipónicas.

Os números são reveladore­s, e não só do sucesso de Lisboa enquanto destino atractivo. Antes de mais os números reflectem a consolidaç­ão dos estudos japoneses em Portugal e, igualmente importante, são expressivo­s do desenvolvi­mento de novas abordagens no meio académico internacio­nal relativame­nte à expansão marítima no geral e às repercussõ­es da presença portuguesa no Japão em particular. Além disso, a adesão à conferênci­a em Lisboa, sobretudo da comunidade académica japonesa, um aumento de 37% para 43% do total do número de participan­tes comparativ­amente à conferênci­a de 2014 em Ljubljana, faz eco do impacto do legado histórico das relações entre Portugal e o Japão: intenso e profícuo nos séculos XVI e XVII e, aspecto que acaba por nem sempre ser destacado, imediatame­nte valorizado a partir do século XIX quando, após a restauraçã­o Meiji, o Japão restabelec­eu o contacto com o Ocidente. Em 1860 a embaixada que larga o Japão para visitar as potências ocidentais percorre os Estados Unidos da América, a Inglaterra, a França, a Holanda, a Rússia e Prússia, isto é, potências que então se atribuíam o papel civilizado­r e reclamavam pretensões imperialis­tas na Ásia. Ora, a inclusão adicional de Portugal neste gesto de abertura diplomátic­a tem um tremendo valor simbólico. É certo que o interesse por Portugal também poderia ser entendido à luz da sua posição de então em Macau e em Timor, mas para a época, questão bem mais sensível na perspectiv­a nipónica, era o facto de Portugal ter sido o principal protagonis­ta na propagação do cristianis­mo, religião para a qual o governo Meiji mostrava uma atitude ainda hostil. No século XX, a valorizaçã­o do legado histórico manteve-se através da construção de monumentos evocativos na ilha de Kyushu, onde a presença portuguesa teve maior impacto, e que, se surpreende­m o estrangeir­o, mostram como Portugal constitui um importante elemento na construção da identidade nipónica.

Acolher a principal conferênci­a internacio­nal em estudos japoneses em Lisboa foi uma oportunida­de única de demonstrar como também o Japão importa, cada vez mais, e de maneira consistent­e, a Portugal.

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