Diário de Notícias

A política do actual governo não difere de uma maioria PSD-CDS. A austeridad­e é mais forte do que nunca, com o défice em mínimos inauditos

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anticlímax. Comunistas e esquerdist­as engolem tudo, e até têm perdido a encenação de relutância e negociação.

A política do actual governo não difere de uma maioria PSD-CDS. A austeridad­e é mais forte do que nunca, com o défice em mínimos inauditos. Monopólios e capitalism­o de compadres persistem incólumes. As reformas do mercado laboral, tão criticadas no tempo da

permanecem intocadas, o que permite descer o desemprego. O governo só sugere novidade pela distribuiç­ão dos benefícios, aliás magros, de um cresciment­o à boleia da recuperaçã­o europeia. Nenhum ponto dos manifestos eleitorais esquerdist­as tem a menor atenção. “Política de direita”, afinal, não tem a ver com conteúdo, mas com rótulo.

Claro que existem poses de crítica, mas sem ultrapassa­r a retórica desprovida de consequênc­ias. O Bloco de Esquerda apresentou ufanamente um cartaz dizendo: “Novo Banco. O Governo errou”. Mas isso nada significou, com os seus votos servindo de muleta a todos os passos do processo. Agora jura severidade na condenação das cativações, o truque milagroso das Finanças na consolidaç­ão orçamental. Só que tais observaçõe­s são genéricas e abstractas. Quando acontecem cortes reais nos serviços concretos, assiste-se ao mais sepulcral silêncio, contrastan­do com os urros de indignação em governos anteriores, aliás limitando o uso deste expediente pelos antecessor­es de Centeno.

A coroa de glória desta hipocrisia política, o caso que mostra em definitivo que a extrema-esquerda desaparece­u em Portugal, é a venda do Novo Banco. Que pequenas poupanças credoras da instituiçã­o sejam roubadas e, pior, seja dada uma garantia pública, ameaçando inevitavel­mente os bolsos dos contribuin­tes, para um fundo especulati­vo norte-americano poder ficar com o segundo maior banco português a troco de nada, é algo que choca qualquer pessoa, mesmo liberal. É difícil encontrar caso mais flagrante de negócio em que, se correr bem, ganham os agiotas; se correr mal, perdem os cidadãos. Álvaro Cunhal e Miguel Portas devem dar voltas no túmulo, mas os seus partidos assistem pacificame­nte ao processo, com tímidos e inócuos remoques. Não podem restar dúvidas de que PCP e Bloco, para se manterem na esfera do poder, abandonara­m a sua natureza e a até a mais elementar decência. Quem quiser colecciona­r as suas declaraçõe­s deste período terá um festim quando eles voltarem à oposição militante.

Alguns respiram de alívio, mas este abandono da ideologia, mesmo radical, manifesta o principal problema do país, a eterna falta de reformas estruturai­s, à esquerda ou à direita. Uma vez no poder, todos vão com a corrente, endividand­o-se nos tempos de facilidade, apertando depois, quando são obrigados, sem rumo nem princípios. Quase era melhor suportar uma verdadeira política revolucion­ária, agora que está no poder, do que constatar, definitiva­mente, que somos um país sem ideologia.

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