O braço direito de Lula cala mas o braço esquerdo fala
Palocci, um dos dois homens-fortes do lulismo, disse a Sérgio Moro segredos que põem em risco carreira de antigo presidente. Dirceu, o outro homem-forte, prefere morrer a delatar
JOÃO ALMEIDA MOREIRA, São Paulo Em meados de 2005, os observadores políticos do Brasil entretinham-se a apostar quem seria o sucessor de Lula da Silva, então a realizar um elogiado primeiro mandato na presidência da República: Antonio Palocci, responsável pelo milagre económico do lulismo enquanto ministro das Finanças, ou José Dirceu, o todo-poderoso ministro da Casa Civil capaz de costurar as mais improváveis alianças no Congresso Nacional?
Doze anos depois, com os dois ilustres militantes do Partido dos Trabalhadores (PT) a cumprir penas de prisão, a aposta passou a ser sobre qual dos dois denunciaria primeiro o ex-chefe: foi Palocci.
Num depoimento demolidor, o guru financeiro dos primeiros anos do PT no poder contou ao juiz Sérgio Moro na semana passada que Lula assinou “um pacto de sangue” no valor de 80 milhões de euros, ao câmbio atual, com a construtora Odebrecht e que por via desse acordo, enquanto a empresa ganhava licitações, o presidente desviava dinheiro para si e para o partido. Segundo Palocci, condenado a 12 anos na Operação Lava-Jato, o pacto garantiu, por um lado, a multiplicação dos lucros da empreiteira, e, por outro, o financiamento das campanhas milionárias do PT além da aquisição do terreno para a construção do Instituto Lula e obras na fazenda de Atibaia, dois dos casos em que o sindicalista foi denunciado.
Palocci colocou-se ainda à disposição de Moro para entregar documentos, datas e locais de reuniões num depoimento em vídeo prestado com a sua tradicional voz serena e pausada que deve enterrar de vez as esperanças de Lula de ser candidato à presidência em 2018.
O médico de formação e economista de adoção, de 56 anos, denunciou, para rematar, aquela em que nenhum observador político reparava em 2005 mas que se tornaria, na prática, a sucessora do chefe: Dilma Rousseff. Ela, acusa Palocci, ajudou a Odebrecht a vencer ilegalmente o leilão do aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, em 2013.
Formalmente, os advogados de Lula e de Dilma contestaram o depoimento. Mas foi o desabafo a amigos do antigo presidente que resumiu como ambos se sentiram por Palocci, preso há menos de um ano na 35.ª fase da Lava-Jato premonitoriamente batizada de Omertà, o código de silêncio da máfia napolitana, ter delatado: “É uma deceção.”
Sobretudo tendo como base de comparação José Dirceu, o advogado de 71 anos cuja trajetória política se confunde com a de Lula. Detido em 2013, já foi condenado duas vezes na Lava-Jato, num total superior a 30 anos de cadeia, mas recusou-se a falar a Moro sempre que lhe foi solicitado mesmo em troca de uma substancial redução da pena. “Prefiro morrer a rastejar” No dia seguinte ao depoimento de Palocci, o jornal Folha de S. Paulo divulgou a reação de Dirceu, hoje em prisão domiciliária: “Só luta por uma causa quem tem valores; os que brigam por interesses têm um preço. Não que não me custe dor, sofrimento e às vezes pânico, mas prefiro morrer a rastejar e perder a dignidade.” Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT condenado a mais de 20 anos, também optou pelo silêncio.
Depois da ascensão a eminências pardas do lulismo no início do mandato do antigo metalúrgico no Palácio do Planalto, Palocci e Dirceu caíram em desgraça por causa de escândalos diversos. O segundo, antes de se envolver na Lava-Jato, foi condenado por quatro crimes, entre os quais o de formação de quadrilha, no caso do mensalão.
O primeiro envolveu-se no caso Francenildo, enquanto ministro das Finanças: acusado de participar em reuniões secretas (e orgias) com lobistas numa casa nos arredores de Brasília, negou. Para mais tarde ser desmentido pelo caseiro da propriedade Francenildo Costa. Em seguida, mandou quebrar o sigilo bancário de Costa, encontrou uma quantia suspeita e mandou a notícia para a imprensa. Mas, afinal, o provou-se que o dinheiro era de uma herança legítima. Demitiu-se. Já com Dilma no poder, voltou a ter uma oportunidade como ministro da Casa Civil mas voltou a demitir-se por suspeita de enriquecimento ilícito. No ano passado, Moro mandou prendê-lo por receber vantagens ilícitas da Odebrecht no âmbito da Lava-Jato. Com as informações prestadas, pode ser solto em breve.