Com a atual Lei da Identidade de Género, o processo podia durar até 12 anos e era um verdadeiro atentado à privacidade, à dignidade e aos direitos humanos
foi criada uma lista de médicos habilitados a assinar estes relatórios. O resultado foi a junção da esfera clínica à legal. Com isto, profissionais de saúde começaram a fazer depender este reconhecimento legal de género de critérios que vão muito para lá do diagnóstico e que, indevidamente, jogam com os seus próprios preconceitos: duas avaliações independentes, tratamentos médicos, ideias puramente individuais sobre masculinidade ou feminilidade, entre tantos outros. No fundo, critérios que nada contribuem para a avaliação do estado das pessoas e que estabelecem demasiadas barreiras burocráticas e discriminatórias para uma simples mudança legal.
Passados cinco anos, um estudo realizado pelo ISCTE em parceria com a ILGA Portugal para avaliar a aplicação desta lei mostrou que, apesar do impacto marcadamente positivo no bem-estar e integração das pessoas trans, a grande maioria das pessoas deparam-se, de facto, com estas barreiras para conseguir aceder à lei – ou seja, ver a sua identidade reconhecida pelo Estado.
Estas novas propostas vão ao encontro das necessidades de muitas pessoas. Ao deixar de ser necessário qualquer diagnóstico para uma pessoa ver a sua identidade reconhecida – e sim, as pessoas sabem quem são –, basta ir ao registo civil e pedir a alteração do nome próprio e sexo legal. As propostas do Bloco de Esquerda e do governo também pretendem fazer descer a idade mínima de acesso à lei para os 16 anos, o que permitirá a muitas pessoas jovens, atualmente já a viver de acordo com o género com que se identificam, verem-se reconhecidas legalmente. Sendo a escola um meio importante para o crescimento de menores, a proposta do governo também introduz a possibilidade de existir um nome social na escola. É também do governo a proposta de introduzir a proibição de cirurgias a bebés intersexo exceto em casos de condição clínica relevante.
Porém, apesar do avanço enorme que estas iniciativas legislativas trazem e do benefício claro para as pessoas trans, não é de mais dizer que existe ainda uma necessidade crescente de melhorar acessos aos cuidados de saúde gerais e específicos. Estamos a falar de uma população extremamente fragilizada pelo estigma e pressão social e, como consequência, potencialmente mais sujeita a implicações na sua saúde mental. É também urgente continuar a apostar na formação de profissionais dos mais variados meios, como a segurança, a educação ou o trabalho. Precisamos por isso que estas propostas sejam aprovadas, para que se dê continuidade a todo um trabalho em prol dos direitos humanos das pessoas trans. Ativista trans, membro da direção da ILGA Portugal e coordenadora do GRIT – Grupo de Reflexão e Intervenção Trans