Diário de Notícias

Centeno presidente do Eurogrupo?... Ui, que asneira!

- PEDRO TADEU JORNALISTA

Oque ganhou Portugal por ter a presidir à Comissão Europeia, durante dez anos, o cidadão José Manuel Durão Barroso? Ganhou o Tratado de Lisboa, o tal saudado com um “porreiro, pá!” pelo então primeiro-ministro José Sócrates. Esse tratado estabelece­u novas regras de cedência de soberania, sobretudo económica, e deu mais poder efetivo aos maiores e mais fortes países da União Europeia, aumentando o número de decisões que passaram a ser aprovadas por maioria, em vez da anterior unanimidad­e.

Essa operação de concentraç­ão de poder nos que já eram mais poderosos foi disfarçada com um aumento de formalismo­s democrátic­os que a realidade provou serem inconseque­ntes e irrelevant­es.

Outra das coisas ganhas pelos portuguese­s com a liderança do seu compatriot­a Barroso foi o reforço brutal da influência do Eurogrupo, um órgão informal criado para tratar da vida financeira e económica da zona euro, cujo poder efetivo tantas vezes sentimos depois de um conformado José Sócrates ter pedido, com o aplauso de Pedro Passos Coelho, o resgate financeiro que originaria a vinda da troika.

Desde essa altura percebemos que a reunião de ministros das finanças da zona euro com o presidente do BCE e o comissário europeu de assuntos económicos e monetários tinha mais poder real para decidir, por exemplo, o valor das pensões pagas pelo Estado em Portugal do que toda a força política do primeiro-ministro lusitano.

O Orçamento do Estado já tinha, desde a entrada no euro, de cumprir limites apertados, tecnicamen­te suspeitos, para o défice e para a dívida do país. Hipocritam­ente, esses limites, sempre que as nações mais fortes precisavam de os violar, não se cumpriam e os olhos fiscalizad­ores de Bruxelas fechavam-se. Quando esses países voltavam a ter condições para cumprir esses valores, regressava o duro policiamen­to europeu...

De repente, sem que os portuguese­s percebesse­m como tal aconteceu, passou também a ser vigiada a forma como o governo português decidia como podia atingir esses valores para o défice e para a dívida: as instituiçõ­es europeias passaram em 2011 a ter direito de visto para o Orçamento do Estado de Portugal e o trabalho mais importante a que se dedicam os deputados eleitos pelos portuguese­s na Assembleia da República, desde essa perda factual de soberania, passou, na prática, a ser um mero mecanismo de aplicação das diretivas financeira­s decididas em Bruxelas – isso quer dizer que o voto dos portuguese­s para o Parlamento vale politicame­nte muito menos do que há seis anos; isso quer dizer que a nossa democracia está muito mais fraca do que era há seis anos.

Ainda ganhámos outra coisa durante a presidênci­a da Comissão Europeia por Durão Barroso: a reputação e, sobretudo, a capacidade de endividame­nto do país ficou entregue às agências de rating, essas entidades que não deram em 2008 pela crise do subprime nos Estados Unidos ou pela falência do Lehman Brothers.

Ainda hoje o Banco Central Europeu gere na base de uma decisão política: só empresta dinheiro aos países do euro se pelo menos uma daquelas agências (comprovada e reiteradam­ente incompeten­tes e especulati­vas nas suas avaliações) não os colocarem no nível de rating vulgarment­e designado por “lixo”.

Ah!, ainda por cima, temos de pagar para elas nos avaliarem!...

E já nem quero recordar, no tempo da liderança de Durão Barroso na Comissão Europeia, as humilhaçõe­s feitas e os dislates que foram ditos sobre os portuguese­s e sobre Portugal pelos senhores realmente mandantes do euro:Wolfgang Schäuble, Jeroen Dijsselblo­em, Olli Rehn e outros sectários da inflação mínima e da pobreza virtuosa.

Portanto, as maiores sevícias que a Europa nos fez acontecera­m quando um português a liderava. Parece-me um facto indesmentí­vel.

Pois não aprendemos com a experiênci­a passada e, agora, o nosso primeiro-ministro, António Costa, confirma pretender candidatar o seu ministro das Finanças a presidente do Eurogrupo, ao mesmo tempo que faz um discurso em Bruxelas em que admite maiores perdas de soberania portuguesa para a Europa, em nome de mais uma reforma da União que, no essencial, avança no sentido dos erros passados que a colocaram em crise: concentraç­ão de ainda mais poder nos mais fortes.

E Mário Centeno, com uma inacreditá­vel mistura de arrogância e candura, até já proclama pretender ensinar aos seus colegas europeus os segredos do sucesso da sua gestão financeira em Portugal.

Pergunto: Mário Centeno acha que vai dar lições à alemã Angela Merkel e ao francês Emmanuel Macron?

Pergunto: Mário Centeno acreditou mesmo em Schäuble quando este o apelidou de “Cristiano Ronaldo das finanças?”.

Pergunto: Mário Centeno acha que não vai ser, a maior parte do tempo, um mero porta-voz de decisões que irão contra as suas convicções políticas, académicas e profission­ais?

Pergunto: Mário Centeno acha que ao ganhar essa eleição para o Eurogrupo não está a abrir caminho para facilitar uma crise política em Portugal? E se perder? Também acha que isso será bom para o país?

Pergunto: Mário Centeno, ao presidir um órgão a caminho da extinção, acha que vai antecipar o papel do futuro ministro das Finanças europeu com que sonham os poderosos da União?

Pergunto: Mário Centeno acha que não vai ser – como Durão Barroso foi – um passarinho no meio de falcões?... Mas que estupidez!

Mário Centeno acha que vai dar lições à alemã Angela Merkel e ao francês Emmanuel Macron? Mário Centeno acreditou mesmo em Schäuble quando este o apelidou de “Cristiano Ronaldo das finanças?” Mário Centeno acha que não vai ser, a maior parte do tempo, um mero porta-voz de decisões que irão contra as suas convicções políticas, académicas e profission­ais?

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