A ferro e fogo
J— em Los Angeles anelas partidas, objetos atirados à polícia, confrontos entre manifestantes e a força antimotim, dezenas de presos e agentes feridos. A violência regressou a St. Louis, Missouri, durante o fim de semana, engasgada entre os tweets questionáveis do presidente Donald Trump e a celebração da #resistência na cerimónia dos Emmys. O que motivou estas noites consecutivas de protestos violentos foi a absolvição do polícia Jason Stockley da morte de Anthony Lamar Smith em 2011. Stockley é branco, Lamar Smith é negro. No vídeo gravado pela câmara do carro, ouve-se o agente dizer: “Vou matar este filho da p***a.” Segundos depois, disparou cinco tiros com uma AK-47. Alegou autodefesa porque disse ter visto Lamar Smith a segurar um revólver. Os exames forenses mostraram que o revólver tinha o ADN do polícia, mas não do suspeito morto. Apesar disso, Stockley saiu em liberdade.
Para a comunidade negra de St. Louis, este é mais um caso de impunidade quando um polícia mata um afro-americano, armado ou não. St. Louis é o condado onde se situa Ferguson, que em 2014 assistiu a motins violentos após a morte de Michael Brown – um adolescente desarmado que levou dois tiros na cabeça e quatro nos braços. Hands
up, don’t shoot foi o cântico que surgiu desses protestos.
Há sempre dois lados em cada história. Terá a polícia americana um problema de racismo, que de forma sistemática resulta em mortes injustificadas? Terá a comunidade afro-americana um problema de crime e violência que torna frequentes os incidentes fatais com a polícia? Ou será tudo uma questão de narrativa, redes sociais e overdose de cobertura mediática?
Os números indicam que a polícia mata mais brancos do que negros todos os anos, algo que se explica pela disparidade populacional – os brancos compõem 62% da população, os negros 13%. No entanto, um negro tem 2,5 vezes mais probabilidades de ser morto num encontro com a polícia. Os casos mediáticos distinguem-se pela aparente ausência de motivação, salvo a cor da pele. Philando Castile foi morto numa operação stop com a namorada e a filha dentro do carro. Sandra Bland foi parada por não fazer pisca e três dias depois estava morta numa prisão do Texas. Sam DuBose foi parado devido à placa de matrícula e levou um tiro na cabeça em Ohio. Os agentes são absolvidos, a comunidade negra reage com raiva, e o ciclo retorna. Há uma suspeição terrível sobre as forças policiais.
O que está a acontecer em St. Louis é visto à direita como um exemplo da selvajaria dos afro-americanos e do movimento Black Lives Matter, e à esquerda como uma luta necessária contra o racismo sistemático das instituições. Para Fred Watson, é mais do mesmo. Watson é um ex-militar da marinha naval que em 2012 trabalhava como agente de cibersegurança na National Geospatial-Intelligence Agency. Ganhava mais de oito mil dólares por mês e estava a poupar dinheiro para tirar Direito. Numa tarde de verão, após um jogo de basquetebol com os amigos, sentou-se no carro a ver uma partida de baseball no parque de Ferguson. Pouco depois, um carro da polícia estacionou atrás dele. “Sabe porque é que o mandei parar”, perguntou o agente. “O senhor não me mandou parar. Eu já estava aqui sentado. Estou aqui há 10 ou 15 minutos”, respondeu o afro-americano. O polícia pediu-lhe então o número de segurança social, algo que Watson recusou. As tensões escalaram: com uma arma apontada à cabeça, Watson agarrou-se ao volante para que o polícia visse as suas mãos. “Posso matar-te já aqui, ninguém vai ligar nenhuma!”
Watson foi preso e acusado de não ter carta de condução, registo do carro e outras violações, todas elas comprovadamente inexistentes. As acusações levaram-no a perder a autorização de segurança de que precisava para trabalhar e perdeu o emprego. Só na semana passada a cidade de Ferguson decidiu retirá-las, passados cinco anos. Perseguido pelo cadastro, consumiu os 58 mil dólares que tinha poupado para o curso de Direito. Perdeu a casa e passou a dormir no carro. Porquê? No seu ficheiro estavam cópias dos documentos que a acusação dizia faltarem: não havia justificação para o arrastar de um caso que lhe destruiu a vida. Quando falou à rádio NPR, neste fim de semana, tinha a voz de um homem quebrado. “Ninguém me ligou. Ninguém me disse, ‘vamos despedir o polícia Eddie Boyd, vamos tentar corrigir isto, vamos tentar compensar os salários perdidos ou fazer algo para que recuperes o emprego’.” Nada.
O seu advogado Blake Strode resumiu assim a sua indignação: “Todo o sistema é culpado.”
Nos EUA, a polícia mata mais brancos do que negros todos os anos, algo que se explica pela disparidade populacional. No entanto, um negro tem 2,5 vezes mais probabilidades de ser morto num encontro com a polícia