“O meu trabalho é quase um ato de resistência”
À 12.ª edição, a Fundação EDP distinguiu a artista Claire de Santa Coloma, argentina que trabalha, desde sempre, em Portugal. A sua obra é um elogio da lentidão
Claire de Santa Coloma é a 12.ª artista a vencer o prémio Novos Artistas atribuído pela Fundação EDP. A originalidade é uma franco-argentina ganhar um prémio destinado a portugueses. Com justificação: a sua carreira faz-se, desde sempre, a partir de Portugal, onde vive desde 2009. A obra que cativou o júri é uma instalação de esculturas: 22 peças em madeira a que chamou Composição Eterna.
“Este trabalho é sobre a escultura, como apresentamos a escultura, como vivemos escultura. A ideia era transformar o espaço expositivo num espaço de convivência da pessoa que entra na composição”, explicou, minutos depois de se saber vencedora.
As técnicas tradicionais usadas por Claire de Santa Coloma foram elogiadas por Penelope Curtis, membro do júri internacional que escolheu a artista, diretora do Museu Gulbenkian e especialista em escultura. “Usa técnicas tradicionais, mas está a trazer algo novo”, realçou no momento de justificar a atribuição do prémio. “Os prémios ficam associados a novidade e o trabalho de Claire é sobre o passado e tradição e acho que essa foi uma área de debate entre nós. Absorveu as técnicas do passado e aperfeiçoou-as, estando preparada para usar técnicas tradicionais para fazer algo novo e ter uma nova abordagem sobre a escultura atualmente. É um reconhecimento do que fez e uma promessa para o futuro.”
A artista vê o que faz como “quase um ato de resistência”. E, de caminho, como um elogio à lentidão. “Toda esta velocidade que está à nossa volta faz parte do nosso quotidiano, mas o ritmo do nosso pensamento continua a ser o mesmo”,afirma. A obra“é umareflexão sobre o tempo”. “É exigido que sejamos empresários, participar em prémios, residências. É-nos pedido ter um discurso já construído e o mais importante é construir o trabalho”, esclarece. O seu, “implica tocar, portanto precisa de uma presença física. E hoje em dia passa quase tudo pela comunicação, as coisas são vistas por imagens digitais. E nem sempre as imagens estão de acordo com a realidade. Para mim, o mais importante é fazer a experiência da obra de arte”, sublinhou, no seu português com sotaque.
Claire de Santa Coloma mudou-se para Portugal em setembro de 2009. Nascida na Argentina, filha de mãe francesa, Claire deixou o país com 19 anos e estudou Belas-Artes em Paris. Fez uma residência de dois anos em Madrid e aos 26 anos chegou a Portugal. “Estava a começar a minha vida profissional nas artes”, contextualiza. Agradou-lhe pelo que chama “as coisas típicas”. “O clima, sentia que [o país] estava um pouco isolado , uma espécie de tranquilidade...”. Diz que teve “imensa sorte”. “Fiz a escola Maumaus, naquele ano a Maumaus participou na Bienal em São Paulo, fizemos uma exposição na Suécia e ao mesmo tempo comecei a trabalhar com a galeria 3+1 e consegui um ateliê lindíssimo num prédio abandonado. Tive imensas oportunidades logo no primeiro ano”.
Oito anos depois, o prémio. “Oito anos de imenso trabalho, às vezes senti que ao não ser portuguesa tinha de lutar mais pela visibilidade, pela presença, para ser convidada junto de outros jovens artistas portugueses”, diz a artista, a primeira não portuguesa a rece- ber um prémio que pretende representar a arte contemporânea de Portugal – o meio artístico que Claire conhece. “Não conheço França ou Argentina.”
Entre os membros do júri – o pintor Eduardo Batarda, Penelope Curtis, o diretor do Kunsthalle Lissabon João Mourão, o artista Bill Fontana, e o diretor do MAAT, Pedro Gadanho – não houve unanimidade na escolha, mas Penelope Curtis salientou o bom momento em que o grupo considerou estar o trabalho da artista. Claire faz a mesma apreciação. “Acho que o meu trabalho começou a estar num bom ponto a partir de 2014. Falo de um trabalho mais maduro concetualmente. Preciso de muito tempo para pensar as obras, mas fi-las quase todas em três meses. É um esforço físico, mas há que ter as ideias apuradas. A reflexão prévia leva-me para o resultado.”
Pedro Gadanho, que presidiu ao júri, sublinhou “a importância deste prémio para os que estão a aparecer na cena artística”. “Espero que a Claire de Santa Coloma aproveite para continuar a consolidar uma carreira já muito prometedora.”
O trabalho da artista pode ser visto até 9 de outubro no MAAT e a partir de 29 de novembro na Galeria 3+1, em Lisboa. Ao mesmo tempo trabalha uma encomenda da Coleção de Arte Portuguesa de António Cachola. “Não sou portuguesa, mas sou uma jovem artista portuguesa.”