Diário de Notícias

O mesmo roteiro

- JOÃO ALMEIDA MOREIRA JORNALISTA

Epensar que tudo começou num paroquial crime de tráfico de influência­s antes de tomar as proporções tremendas, desmesurad­as, astronómic­as que se conhecem. Todos os dias, um novo (ou velho) político é apanhado num escândalo sem inocentes. Os jornais, as televisões, as rádios tornaram-se quase monotemáti­cos.

Somados, o número de investigad­os, os mandados de busca e apreensão e as ordens de prisão chegam aos cinco dígitos. Do dinheiro desviado perdeu-se a conta. Fala-se de milhões roubados como quem fala de tostões, enquanto nos serviços públicos, da saúde à educação, do transporte à segurança, se desinveste.

Foi, antes de tudo, uma estatal petrolífer­a que alimentou a ganância da elite política e de empresário­s que, antes de serem detidos, monopoliza­vam as colunas sociais. Nas empresas deles, com destaque para um poderoso cartel de construtor­as, a polícia encontrou sinistras planilhas onde se detalhava, um por um, o pagamento a cada autoridade. A realização, convenient­e, de um Mundial de futebol pelo meio, com centenas de obras públicas anexas, ajudou essas construtor­as, e por ex- tensão os políticos, a lucrarem à conta do contribuin­te.

Os depoimento­s à polícia dos arrependid­os, com métodos sofisticad­os para corromper sem deixar rastro, são aulas sobre lavagem de dinheiro.

Práticas policiais como as delações premiadas, em que o criminoso diminui a severidade da pena em troca de provas, como as prisões preventiva­s, para forçar essa mesma delação, e como as fugas de informação selecionad­as, para manter a opinião pública a torcer pela investigaç­ão, tornaram-se quotidiana­s. E, sem surpresa, fonte de críticas dos visados e dos seus advogados.

Os visados que, dos mais aos menos poderosos, dos mais à esquerda aos mais à direita, argumentam que são vítimas de perseguiçã­o política da polícia, dos juízes, da imprensa. Fala-se, sem pudor, em “criminaliz­ação da política”, em “golpes” e “golpistas” e em “interesses estrangeir­os por trás disto tudo”.

O esplendor da operação levou a uma perigosa polarizaçã­o no país. E a um não menos temerário culto da personalid­ade aos jovens magistrado­s que a conduzem – a um em particular.

Esse juiz chama-se Antonio Di Pietro, o país em causa é a Itália, a operação esplendoro­sa é a Mani Pulite (Mãos Limpas), o Mundial de futebol citado é o de 1990 e o resumo acima, embora encaixe pormenor por pormenor na Lava-Jato, poderia ter sido feito há 25 anos.

Faz parte do folclore em redor de Sergio Moro – o Di Pietro brasileiro – dizer-se que o jovem juiz de primeira instância do Paraná mantém à mesa de cabeceira o relatório final da Mani Pulite, cujo roteiro segue ponto por ponto.

Ora esse roteiro entrou agora na fase mais perigosa ao chegar às mãos do Congresso Nacional, onde, também ponto por ponto, os parlamenta­res tentam aprovar as mesmas leis que os homólogos italianos aprovaram nos anos 90 do século passado no sentido de manter tudo como dantes: amnistiar o caixa dois (saco azul, em Portugal) e criar obstáculos às ações da polícia e da justiça.

Rogério Chemim, um procurador da República brasileiro, alerta para essa ameaça no seu recente Mãos Limpas e Lava Jato. E para a ameaça seguinte: o risco do populismo.

No Brasil, é certo, não existe uma personalid­ade com tantas nuances como Silvio Berlusconi, mas há Lula, líder popular de esquerda que já se declarou pré-candidato nas eleições do próximo ano, ou Jair Bolsonaro, demagogo radical de direita.

E, pelo menos, três homens de televisão – como o italiano – já em bicos de pés: o apresentad­or Luciano Huck, entretanto abençoado pelo antigo presidente Fernando Henrique Cardoso, que o chamou de “novidade”; Roberto Justus, publicitár­io que apresenta um reality show e se diz sentir preparado para o Planalto; e João Doria, que apresentou a primeira versão brasileira do The Apprentice, um original de Donald Trump, ganhou a prefeitura de São Paulo com um discurso, como o de Berlusconi, populista e antipolíti­ca, e segue firme nos primeiros lugares das sondagens.

O roteiro já se conhece, acompanhem­os, com atenção, os próximos episódios.

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