Diário de Notícias

Costa diz que “é indigno” e decide proibir os banquetes

Igreja de Santa Engrácia já foi palco de “eventos festivos” e jantares, mas o banquete da Web Summit foi o copo que fez transborda­r a indignação. Paddy Cosgrave já pediu desculpa e governo prometeu rever regulament­o

- MIGUEL MARUJO

Ao clamor das redes sociais, juntou-se ontem o primeiro-ministro, António Costa, que disse ser “indigno” utilizar o Panteão Nacional para “eventos festivos”, como o banquete de fundadores de empresas avaliadas em mais de 500 milhões de euros que participar­am no Web Summit. O CEO da empresa, Paddy Cosgrave, veio à noite pedir desculpa, em comunicado enviado às redações, por usar o Panteão para um jantar exclusivo. “Pedimos desculpa por qualquer ofensa causada. Este foi um jantar organizado segundo as regras do Panteão Nacional, e conduzido com respeito”, referia.

O governo já prometeu a revisão da legislação para proibir mais “eventos de natureza festiva” no corpo central da Igreja de Santa Engrácia, onde está instalado o Panteão. O Presidente da República aplaudiu a decisão e disse: “A imagem que eu tenho do Panteão Nacional não é de ser um local adequado para um jantar, nem que seja o jantar mais importante de Estado.”

Não é de agora que se realizam ali eventos. Há 14 anos, a 24 de outubro de 2003, o livro Harry Potter e a Ordem de Fénix foi lançado por entre os cenotáfios do Infante D. Henrique, Pedro Álvares Cabral, LuísVaz de Camões e os túmulos de Almeida Garrett, Humberto Delgado, Teófilo Braga, Guerra Junqueiro ou Amália Rodrigues. Não consta que uma eventual indignação tenha levado as mais altas figuras do Estado a dizer coisas. Já a 16 de outubro, a NAV Portugal, empresa pública do Estado, realizou um “jantar de gala” para homenagear trabalhado­res, incluindo um “welcome drink no terraço do Panteão” e “música ambiente”. Também não foi notícia, a não ser pela denúncia do site Má Despesa Pública, que publicou o contrato de aquisição do jantar pelo “valor total de 17 600 euros, acrescido do IVA, à taxa legal em vigor, a que correspond­e o valor de 38 euros por pessoa”.

Em 2014, o secretário de Estado da Cultura Jorge Barreto Xavier regulou a “utilização de espaços” afetos à Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), “numa perspetiva de rentabiliz­ação assente na qualidade e, sobretudo, na salvaguard­a da sua especifici­dade e prestígio”.

Esse regulament­o estabelece que “compete à Direção da DGPC decidir, após parecer dos serviços dependente­s, da oportunida­de e interesse da cedência, bem como das respetivas condições a aplicar”. O regulament­o define os preços para cada espaço, Panteão incluído.

Barreto Xavier explicou à TSF que “no seu preâmbulo [o despacho] diz claramente que tem de se avaliar a dignidade das iniciativa­s, como se diz também que se pode recusar os pedidos”. E acrescenta: “Obviamente quando estamos a falar de fazer jantares no Panteão Nacional, parece-me completame­nte desadequa- do que se faça, e estava na mão da DGPC e do governo dizer que não.”

Mas no site da DGPC explica-se que o Panteão (de acordo com o regulament­o) está disponível para “banquetes, receções, conferênci­as, recitais de música ou poesia, lançamento de livros, atos solenes, atividades de índole cultural, mostras, exposições”, “mediante consulta prévia e condições a acordar”.

Um post no blogue Portugal Glorioso, com uma foto do jantar partilhada no Facebook por Francisco Seixas da Costa, atiçou a fúria das redes sociais. O embaixador questionav­a-se: “Acham mesmo normal que o jantar final doWeb Summit tenha sido entre os túmulos do Panteão Nacional?”

O primeiro-ministro, António Costa, reagiu às notícias, afirmando que “a utilização do Panteão Nacional para eventos festivos é absolutame­nte indigna do respeito devido à memória dos que aí honramos”. Lavando as mãos, Costa notou: “Apesar de enquadrado legalmente, através de despacho proferido pelo anterior governo, é ofensivo utilizar deste modo um monumento nacional com as caracterís­ticas e particular­idades do Panteão Nacional.”

No comunicado, Costa disse que o ministro da Cultura já tinha anunciado a revisão do regulament­o, “para que situações semelhante­s não voltem a repetir-se, violando a história, a memória coletiva e os símbolos nacionais”. Já o ministro Luís Filipe de Castro Mendes “estranhou” a realização do jantar no local e disse que “a decisão foi tomada” ao abrigo do despacho “adotado pelo anterior governo”, entendeu “determinar a [sua] imediata revisão”, que “determinar­á a proibição de realização de eventos de natureza festiva no corpo central do Panteão Nacional”. Questionad­o pelo DN sobre quantas vezes foi usado o Panteão em jantares, cocktails e eventos como prevê o regulament­o, e quais as receitas arrecadada­s, com eventos de entidades privadas, o gabinete do ministro limitou-se a dizer que “não vai acrescenta­r nada à informação que consta do comunicado”.

O PSD considerou a justificaç­ão do governo um “equívoco”, desafiando-o a assumir responsabi­lidades por ter autorizado o evento.

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Foto divulgada no blogue Portugal Glorioso que originou polémica

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