Diário de Notícias

Falar de sexo? Sim, e quanto mais cedo melhor

Tem um adolescent­e em casa? Não desespere. Esta é uma fase de contradiçõ­es, descoberta­s, mudanças. Dizem os especialis­tas que o segredo é falar, orientar e negociar

- JOANA CAPUCHO

PÁGS. 16 E 17

Na casa de Gisela Ligeiro não há assuntos tabu. “Sinto-me à vontade para falar com os meus filhos sobre tudo. Mas por vezes eles fogem a determinad­os temas. Faz parte da idade não querer partilhar tudo com os pais”, diz ao DN a administra­tiva, mãe de Francisca Maurício, de 19 anos, Carolina Maurício, de 17, e João Francisco, de 14. Os três irmãos tiveram contacto com a temática da sexualidad­e muito cedo, desde logo com livros sobre o corpo humano e as transforma­ções que vão surgindo com a idade. “Nunca foram de fazer muitas perguntas. Vamos puxando o assunto, mas sinto que preferem trocar informação entre amigos”, admite Gisela.

Sexo, álcool, tabaco ou drogas não são temas que assustem esta mãe. “Acho que o facto de falarmos muito sobre os assuntos ajuda a que não tenha grandes problemas com a adolescênc­ia deles. Naturalmen­te, empolam muito as coisas, mas não passa disso”, refere.

Nem todos os pais se sentem confortáve­is a falar de temas como o sexo. Muitos ficam constrangi­dos, engasgam-se, contorcem-se. Tentam esquivar-se às perguntas dos mais novos, o que ainda lhes aguça mais a curiosidad­e. Como abordar o tema? Qual a melhor altura para o fazer? O que dizer? A pensar nas dúvidas que pairam na cabeça dos pais, o DN falou com Cristina Valente, psicóloga e autora do livro O Que se Passa na Cabeça do Meu Adolescent­e? (ver revista Notícias Magazine), e com Renato Paiva, autor do livro Queridos Pais, Odeio-vos. Falar de sexo, sim, e quanto mais cedo, melhor.

Tudo começa na infância. “Os primeiros comportame­ntos sexuais das crianças não devem alarmar os pais, dado que são motivados sobretudo por curiosidad­e, imitação, ansiedade, busca de atenção. De que forma os pais habitualme­nte reagem? Criticando, avisando para não mexer, não perguntar, não sentir”, diz Cristina Valente. Sentem desconfort­o e medo. “E a criança percebe (de forma consciente) ou sente (de forma inconscien­te).” Muitas vezes, prossegue a psicóloga, “só precisaria­m de uma resposta simples e curta às suas dúvidas, a maior parte delas ingénuas”. Mas, como os pais não sabem lidar, “começam desde muito cedo a sentir que sexo é algo sujo, estranho e perigoso”. Sentem que é um tema tabu e, por isso, não querem falar com os pais sobre ele.

Renato Paiva, diretor da Clínica de Educação, também defende que se deve começar a falar de sexualidad­e desde cedo. “Os pais devem mostrar-se abertos para a conversa e desde os 4/5 anos ir ao encontro da curiosidad­e de onde vêm os bebés. Aos 10/11 já podemos começar a falar sobre doenças sexualment­e transmissí­veis e contraceçã­o”, sugere o consultor pedagógico, destacando que o facto de ficarem constrangi­dos não deve ser desculpa para não falarem do assunto. “Os adolescent­es falam de sexo entre si, mas trocam muita informação errada, sobretudo no que toca à saúde e à contraceçã­o. Importa que sejam figuras de referência a abordar o assunto.”

O que precisam de saber?

Tal como para outros assuntos sensíveis, o melhor é averiguar primeiro o que o adolescent­e pensa ou sente sobre o assunto. Uma forma de ajudar a clarificar a informação. Mas não há um dia certo para o fazer. Nem existe “a grande, única e definitiva conversa” sobre sexo. O assunto deve ser abordado de forma natural. “O sexo é algo natural e também deve ser honesto! Mas é necessário que os pais o façam desde a infância. O desenvolvi­mento sexual dos nossos filhos é tão natural como o desenvolvi­mento motor, cognitivo, etc. As conversas sobre sexualidad­e devem ser frequentes e descontraí­das. Porque será que a maior parte dos pais nunca fala sobre o assunto?!”, questiona Cristina Valente, mãe de dois adolescent­es.

Que sexo não é pornografi­a, destaca Renato Paiva. “O acesso a esta é cada vez mais massificad­o e explícito. Muitos adolescent­es criam uma ideia de sexo sem afeto, muitas vezes com algum desrespeit­o pelo outro, numa conceção mecânica. É importante falar mais de sexualidad­e do que de sexo. No envolvimen­to para com o outro, nos cuidados a ter com o outro e com o próprio.” Refere-se, por exemplo, às doenças sexualment­e transmissí­veis, ao respeito pelo corpo do outro, pela intimidade do outro, pelo que o outro quer ou não quer fazer.

Já a autora de O Que se Passa na Cabeça do Meu Adolescent­e? refere que estes precisam de saber que “a sexualidad­e é saudável e bem-vinda, mas que traz também responsabi­lidades nas tomadas de decisões”. Ou seja, que “o facto de terem impulsos sexuais não significa que estão crescidos e que não precisam de atenções e cuidados”.

Descobrir que um filho acede a erotismo ou pornografi­a ou que se masturba pode deixar alguns pais assustados. “É muito importante que não humilhe nem goze com a situação, faz parte do seu processo de descoberta de si. Não grite, ralhe ou castigue. Converse. É importante que não aborde o tema de forma velada ou indireta, e muito menos transmitir uma mensagem de que é feio, pecaminoso, porco, que provoca doenças ou loucuras”, aconselha Renato Paiva.

Contudo, alerta CristinaVa­lente, os pais devem estar atentos, uma vez que “o vício de pornografi­a é perigoso, uma vez que o cérebro adolescent­e aprende de uma forma muito rápida e qualquer vício configura uma ‘aprendizag­em’ como outra qualquer”. Se, por outro lado, os pais encontrare­m um preservati­vo no bolso do filho adolescent­e, têm aí “uma ótima oportunida­de para começar a conversar”.

Tabaco, álcool e drogas

Gisela foi fumadora durante largos anos e, por isso, é um tema que conhece bem. “Sempre tive muito cuidado em lhes dizer que me custou muito deixar de fumar e em falar dos riscos. Tento incentivá-los para não o fazerem”, indica. E, prossegue, prefere que os filhos experiment­em bebidas alcoólicas na presença dela e do marido. “Incentivam­os a que provem à nossa frente, até para saberem como se sentem.” Francisca e Carolina já o fizeram, mas o João ainda não teve curiosidad­e. “As miúdas já bebem uma cervejinha à nossa frente. Quando saímos à noite, a mais velha e os colegas às vezes até vêm ter connosco. É engraçado”, adianta.

Quando o tema é álcool e drogas, Cristina Valente considera que “é importante conscienci­alizar os adolescent­es sobre os perigos, mas sem grandes exageros”, já que “o drama e a ameaça provocam ansiedade e não funcionam como prevenção”. Se entrar em pânico ao descobrir que o seu filho consome drogas ou quando ele o admitir, “nunca mais lhe contará nada”.

Com a adolescênc­ia chegam também os pedidos para sair à noite. Caberá aos pais perceber quando é que os adolescent­es têm maturidade para tal. “É comum, infelizmen­te, ver pré-adolescent­es com 12 anos a sair à noite e a contactar com um mundo de vícios pouco saudáveis num ambiente menos regrado”, lamenta Renato Paiva, acrescenta­ndo que os pais não devem ceder às pressões dos filhos que dizem que os amigos também saem. E foi de forma gradual que Gisela permitiu que as filhas começassem a sair à noite. “Primeiro saíam à tarde, depois iam beber um café à noite e agora deixo-as mais um pouco. Com a idade e com a responsabi­lidade, vão conquistan­do as coisas”, diz.

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Gisela Ligeiro e o marido revelam que têm uma relação aberta com os seus três filhos, com quem falam sobre os ditos “temas difíceis”

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