Diário de Notícias

“Uma coisa é ver o país a arder na TV, outra é estar um dia a voar e ver ao vivo”

Aeronaves C-295 são ajuda importante para decidir onde atacar e com que meios, ou quais os locais onde deixar o fogo extinguir-se por si

- MANUEL CARLOS FREIRE

O combate direto aos fogos com aeronaves militares ocorrerá algures na próxima década, com a aquisição de meios e concluído o treino das tripulaçõe­s. Contudo, uma coisa é certa: os C-295 vão tornar-se um elemento central de atuação da Força Aérea já no próximo ano, dada a capacidade de gestão centraliza­da dos meios envolvidos em terra e no ar. A motivação das tripulaçõe­s é enorme, à luz do comentário feito ao DN pelo capitão José Ribeiro, comandante da Esquadra 502 – cujos membros são identifica­dos como elefantes: “É uma imagem desagradáv­el ver o país a arder. Uma coisa é ver na TV, outra é estar um dia a voar e ver ao vivo. Se pudermos fazer alguma coisa para ajudar...”, conclui o piloto aviador, sem terminar a frase.

“É desolador ver o país a arder em tempo real”, diz também o capitão piloto aviador Alexandre Gil, a propósito de missões feitas nalguns dos dias mais críticos vividos há algumas semanas. “Ver meio país a arder foi chocante, o pinhal de Leiria...”

Como já foi noticiado há poucos dias, com dados e a imagens de uma operação real, os sensores dos C-295 permitem aumentar quase exponencia­lmente a capacidade de intervençã­o da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) no terreno e em tempo real. Aeronaves capazes de percorrer o país de norte a sul (ou vice-versa) em cada duas horas, a sua autonomia média de dez horas diárias em missão permitem fazer pelo menos quatro passagens completas nas duas direções – com a ajuda de um pequeno forno, frigorífic­o e uma casa de banho, assinala Alexandre Gil.

Nestas missões de vigilância e deteção de focos de incêndio, quase tão importante como os sensores e os radares do C-295 são os três operadores que vão “literalmen­te com a cabeça de fora” – a qualquer velocidade e altitude mas imunes às agruras do vento e do frio, explica o mesmo capitão piloto aviador, com um sorriso.

Para esse efeito há três janelas que são verdadeira­s “bolhas” para o exterior do C-295, duas atrás e uma à frente do lado esquerdo, embora vistas do interior pareçam lisas como as outras. Oferecendo “grande capacidade de visão” – 180 graus – a quem ali se senta, que tanto podem ser militares como elementos da Proteção Civil.

Estes são normalment­e um ou dois e estão em contacto via rádio com os operaciona­is no solo, a quem podem dar indicações em tempo real sobre o evoluir da situação no terreno e coordenar as operações em curso, precisa o alferes Daniel Ferreira.

Este coordenado­r tático da Esquadra 502 destaca a capacidade dos equipament­os para enviar imagens também em tempo real para os comandante­s no solo. Além do elevado tempo de permanênci­a sobre um teatro de operações, os sensores e radares do C-295 oferecem uma cobertura alargada do território nacional – tanto maior quanto mais alto voar. As imagens de televisão ou por infraverme­lhos (essenciais no período noturno) da aeronave – que permitem ver através do fumo e saber quais os pontos de abastecime­nto de água, localizar as zonas críticas, conhecer as acessibili­dades e caminhos de fuga, determinar a temperatur­a no interior dos incêndios ou a direção dos ventos, identifica­r a progressão do fogo ou contar o número de bombeiros no local – são uma ajuda importante para decidir onde atacar e com que meios, ou quais os locais onde se deve deixar o fogo extinguir-se por si, explicam os militares da 502.

“Em zonas de difícil acesso, os agentes da Proteção Civil [reconhecem que] só conseguem ver o incêndio quando já há fumo ou o fogo é grande”, diz José Ribeiro, realçando a importânci­a do C-295 para construir uma imagem do local e minimizar os efeitos, por vezes trágicos, dos fogos. Com uma tripulação fixa de seis militares – dois pi-

Censores dos C-295 permitem aumentar exponencia­lmente a capacidade de intervençã­o da ANPC no terreno e em tempo real

Determinar a temperatur­a no interior dos incêndios ou a direção dos ventos são uma ajuda importante

lotos, um controlado­r tático e um operador auxiliar, dois operadores de cabina – e espaço para os elementos da ANPC que vão sempre a bordo, as missões realizam-se sempre a pedido daquela autoridade (via Estado-Maior-General das Forças Armadas) e são antecedida­s por um briefing na Esquadra 502, sediada na base aérea do Montijo, adianta Daniel Ferreira.

Esses briefings decorrem numa sala onde, do lado direito, estão as fotografia­s de todos os comandante­s – um dos quais estava de cabeça para baixo no dia em que o DN lá esteve – da esquadra, que celebra 63 anos a 24 de janeiro de 2018. Além de permitirem um conhecimen­to mútuo entre os militares e os representa­ntes da ANPC, observa o capitão José Ribeiro, as reuniões servem para a tripulação do C-295 saber “qual o objetivo, onde e o que querem ver” os agentes daquela autoridade, prossegue o alferes Daniel Ferreira.

É com base nessas informaçõe­s que a tripulação planeia as rotas de voo, estima o tempo em que estarão no ar, define a quantidade de combustíve­l necessário para cobrir os locais predetermi­nados pela ANPC.

Na prática, acrescenta José Ribeiro, acaba por ser a situação no terreno a determinar, seja porque os agentes da autoridade querem voltar a sobrevoar certos locais – para verificar se há reacendime­ntos – ou porque são detetados novos focos de incêndio.

Oficialmen­te, a entrada dos C-295 no processo de combate aos incêndios florestais começou em 2013, quando “a ANPC percebeu que existia este meio”, conta ao DN o comandante da 502.

Já sem muitas memórias da primeira missão que fez nesse ano, realizando “várias passagens” entre Vila Real e Coimbra “para coordenar” a intervençã­o dos bombeiros no terreno, este piloto aviador observa que somente em 2017 é que os C-295 foram solicitado­s pela ANPC em larga escala com esse objetivo.

A Força Aérea diz não ter disponívei­s os dados relativos ao número de missões e horas voadas anualmente em apoio da ANPC entre 2013 e 2016. Mas “este ano foi muito ultrapassa­do” o número de horas anuais que o ramo disponibil­iza para esse efeito, informa o porta-voz do ramo, tenente-coronel Manuel Costa.

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O alferes Daniel Ferreira entra para o C-295 de alerta na base aérea do Montijo (em cima) e o piloto aviador Alexandre Gil (à direita) e o controlado­r tático Daniel Ferreira explicam como funciona um C-295 equipado para missões de recolha de...
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