É difícil jogar às escondidas no meio do oceano Atlântico
Seis dias depois de ter deixado Lisboa, a frota da maior regata de volta ao mundo prossegue em direção à Cidade do Cabo. Faltam duas semanas para lá chegar
Frota da Volvo Ocean Race prepara-se para as calmarias equatoriais
JOÃO PEDRO HENRIQUES Esta é uma das inovações desta edição da Volvo Ocean Race (VOR). Uma vez por etapa, durante um dia, cada uma das sete equipas concorrentes pode entrar em “modo furtivo”. Isto é, tornar-se invisível tanto para as outras equipas como para os internautas que seguem esta regata de volta ao mundo através do site da VOR. Durante um dia o seu paradeiro fica por revelar (a organização sabe onde está mas guarda a informação para si). Assim, sem os outros verem – e portanto sem poderem reagir – podem ensaiar-se manobras de rutura, esconder dos outros o estado do mar e do vento na rota escolhida. Quem se estreou nesta manobra foi, nesta semana, o barco de bandeira portuguesa Turn the Tide on Plastic (TTOP), liderado pela skipper britânica Dee Caffari, e em cuja tripulação está o português Frederico Melo. Não correu bem.
A frota partiu no domingo de Lisboa a grande velocidade, premiada com uma poderosa norta- da, e está há seis dias no mar, a caminho da Cidade do Cabo (África do Sul), numa viagem que se prevê durar cerca de três semanas, nesta que é a segunda etapa da regata. Os três primeiros dias passaram a grande velocidade, em direção a sudoeste, com todas as equipas sujeitas a um enorme esforço físico, água por todo o lado, enjoos, pouco tempo para descansar, dormir ou comer. Para seis dos dez tripulantes do barco de bandeira portuguesa isto foi uma estreia absoluta (é a equipa mais inexperiente das sete concorrentes). Nunca fizeram a VOR, nunca passaram mais de quatro ou cinco noites no mar alto.
Mais ou menos ao largo de Cabo Verde, Dee Caffari decidiu ensaiar o tal “modo furtivo”. Nessa altura estava em último, a 60 milhas (111 km) do líder da etapa, o Dongfeng. E quando o modo furtivo acabou, no dia seguinte, repararam, desgostados, que continuavam não só em último como a distância para o líder tinha aumentado para cerca de cem milhas (185,2 km). Não tinha valido a pena usar o trunfo. As outras equipas preservam-no, provavelmente, para o usar mais perto da chegada, um momento sempre delicado, com o vento a cair e a frota a reagrupar.
Mas a bordo do barco nem tudo foram más notícias. Ontem, o navegador, o francês Nicolas Lunvem, soube que lhe tinha nascido a segunda filha. Vai chamar-se Katell. Mas terá como nome do meio o de uma ilha próxima onde o pai navegava quando soube da notícia. Ou seja, de uma ilha de Cabo Verde, provavelmente Santiago. Havia quem sublinhasse o outro lado bom da notícia: o jantar a bordo iria incluir mousse de chocolate.
Quem também recebeu uma boa notícia foi o neozelandês Peter Burling, a bordo do Brunel (6.º na classificação geral, 4.º nesta etapa). Burling, agora a estrear-se na vela oceânica, depois de ter sido medalha de ouro nos Olímpicos do Rio (classe 49er.) e vencedor da Taça América já neste ano, recebeu, pela segunda vez, o prémio anual de melhor velejador do mundo. Numa ligação por satélite para o barco, Burling mostrou quão focado é no que está a fazer: agradeceu o prémio – e falou sobretudo dos desafios imediatos que está a enfrentar na etapa, a posição do barco face aos concorrentes, as perspetivas meteorológicas, as escolhas a fazer. Perante os colegas de equipa pareceu quase embaraçado. Os veteranos preparam-lhe a praxe habitual para os que cruzam pela primeira vez o equador. Burling já suspeita de que vai chegar ao Cabo com um corte de cabelo diferente daquele com que saiu de Lisboa.