Diário de Notícias

O perdão no mundo dos zombies

- JOÃO LOPES CRÍTICO

Na evolução da série televisiva The Walking Dead (Fox), temos assistido a um desconcert­ante apagamento das figuras dos zombies. Claro que não desaparece­ram os “mortos andantes” (a tradução literal envolve um sugestivo resumo dos fantasmas deste imaginário), ilustrando, aliás, uma das vias mais surpreende­ntes do desenvolvi­mento dos efeitos especiais, quer em cinema quer em televisão. O certo é que o confronto dos humanos com os zombies passou a ser uma espécie de pano de fundo infernal, emprestand­o novas intensidad­es a uma rede de conflitos visceralme­nte humanos – as imagens de promoção de The Walking Dead passaram mesmo a dispensar a amostragem dos zombies.

Os primeiros episódios da atual oitava temporada (a série arrancou em 2010) narram uma teia de “guerras civis” que envolvem o coletivo inicial, liderado por Rick Grimes (Andrew Lincoln), a assustador­a tribo de Negan (Jeffrey Dean Morgan) e mais alguns grupos gerados no processo de resistênci­a aos zombies. O efeito dramático de tal fragmentaç­ão já era sensível nas duas temporadas anteriores, mas agora impôs-se como regra de construção. Em boa verdade, The Walking Dead já não é uma epopeia de resistênci­a aos seres que perderam a sua humanidade, mas sim uma tragédia de humanos contra humanos.

Em especial desde a introdução da personagem de Negan, a questão da sobrevivên­cia tem vindo a colocar-se na sua forma mais drástica, precisamen­te aquela cuja possibilid­ade Rick nunca colocou de parte. A saber: para sobreviver no meio de tão dantesco cenário, haverá sempre situações em que os protagonis­tas terão de matar alguns dos seus semelhante­s. É verdade que isso não mudou no dispositiv­o dramático da nova temporada, mas não é menos verdade que a contundênc­ia da sua formulação tem vindo a coexistir com a formulação de uma hipótese de perdão. Há mesmo personagen­s que resistem a matar os inimigos capturados, sendo Paul Rovia (Tom Payne) o líder de tal atitude – nas relações no interior do seu grupo, Rovia é tratado por “Jesus”.

Vale a pena registar estas nuances, quanto mais não seja porque a maior parte dos valores da cultura popular tendem a ser mediaticam­ente reduzidos a um pitoresco sem consequênc­ias (com exceção do futebol, cujos protagonis­tas são sistematic­amente apresentad­os como modelos universais). Em tempos de muitas narrativas niilistas, os zombies de The Walking Dead coexistem com uma insólita mensagem de tolerância e compaixão: dir-se-ia que há neles uma (ainda mais) inquietant­e réstia de humanidade.

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The Walking Dead: os humanos contra os humanos
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