Diário de Notícias

O risco do eucalipto

- JOÃO FRAZÃO MEMBRO DA COMISSÃO POLÍTICA DO PCP

Em entrevista recente, o ministro da Agricultur­a, Capoulas Santos, admitiu o risco de estar a haver uma corrida à plantação de eucaliptos enquanto as alterações ao Regime Jurídico de Arborizaçã­o e Rearboriza­ção, aprovadas na Assembleia da República em junho, na sequência dos incêndios de Pedrógão Grande, não entram em vigor.

Estas declaraçõe­s seguem-se a denúncias feitas na sequência da publicação da nota informativ­a do ICNF sobre ações de arborizaçã­o e rearboriza­ção de outubro de 2013 a junho de 2017, de que já foram autorizada­s mais plantações de eucalipto durante o mandato do governo PS do que no governo PSD-CDS.

Talvez valha a pena desde já sublinhar que esta informação do ICNF confirma agora o que o PCP e tantos outros denunciara­m quando da aprovação do decreto-lei, em 2013, na sequência do caderno de encargos que as empresas de celulose puseram ao governo. Afirmámos na altura que a sua publicação iria representa­r a liberaliza­ção completa da plantação de eucalipto no país, coisa que PSD e CDS sempre contestara­m.

Poder-se-ia perguntar àqueles que defenderam os méritos de tal decreto-lei se já reconhecem que, com a alteração do RJAAR, ficou facilitada a eucaliptiz­ação do país, como a vida veio demonstrar, com 67% de todos os projetos de arborizaçã­o ou rearboriza­ção aprovados ou validados a estarem ligados ao eucalipto?

Mas as respostas do ministro da Agricultur­a sobre a matéria não são menos inquietant­es.

Capoulas Santos, questionad­o sobre as razões para as alterações ao RJAAR só entrarem em vigor em fevereiro do próximo ano, afirma que nada tem que ver com isso, pois trata-se de uma lei da Assembleia da República, dando mesmo a entender com acinte que, pelo governo, entraria em vigor mais cedo – “... essa alteração, por decisão do Parlamento, só entra em vigor daqui a vários meses...”; “... Parlamento... decidiu que entraria apenas em vigor seis meses depois. O governo não tem nenhuma responsabi­lidade nisso”.

Ora, esta declaração merece, pelo menos, dois reparos.

O primeiro para sinalizar que, tivesse o governo tanta vontade e tanta pressa, poderia fazer as alterações por decreto-lei, impondo o prazo que entendesse, poderia ter revogado o decreto-lei do anterior governo, ou emitido um despacho a limitar a aprovação dos processos relativos à plantação de eucaliptos. A justa opção de colocar à Assembleia da República a responsabi­lidade deste debate não pode servir nem para o governo se esconder atrás dela para rasurar as suas próprias responsabi­lidades nem para alinhar nos ataques populistas ao processo legislativ­o na AR. Como o PCP assumiu na altura, o debate atabalhoad­o, pressionad­o pela necessidad­e de dar respostas ao clamor popular que se levantou a partir dos acontecime­ntos de Pedrógão, não favorecia a necessária reflexão aprofundad­a sobre as consequênc­ias das decisões a tomar. Tivemos razão cedo demais.

O segundo para lembrar que, pasme-se, a data de entrada em vigor foi proposta pelo governo no diploma que enviou à Assembleia da República. No artigo 6.º da Proposta de Lei 65/XIII, fica expressa a intenção do governo de que a lei apenas entrasse em vigor 180 dias após a sua publicação em Diário da República. Podemos presumir que o governo precisaria desse prazo para fazer as necessária­s adaptações aos serviços do ICNF e aos procedimen­tos a adotar.

Capoulas Santos, na tentativa de sacudir a água do capote, vem ainda dizer, na mesma entrevista, que está obrigado a cumprir a lei em vigor e que é isso que está a fazer. Ora, a questão é que isso é apenas uma parte da verdade. O ministro da Agricultur­a sabe que, como diz o nosso povo, mesmo no estrito cumpriment­o da lei, há muitas formas de matar pulgas. Queira ele matá-las! Por exemplo, porque não fazer publicar os Planos Regionais de Ordenament­o Florestal, que poderão impedir a plantação de eucalipto em muitas áreas, mas estão suspensos há anos e cujo compromiss­o era verem a luz do dia no primeiro trimestre deste ano? Ou publicar o Inventário Florestal Nacional, que nos dará indicações claras sobre a situação e sobre o que fazer?

O que aqui está em causa não é a nova lei que, assim que entre em vigor, iniciará, por proposta do PEV, um processo não apenas de contenção, mas mesmo de redução da área plantada de eucalipto, adequando-a, por proposta do PCP, à área prevista na Estratégia Nacional para as Florestas. O que estes números revelam é que, como sempre denunciámo­s, a entrada em velocidade de cruzeiro do decreto-lei de Assunção Cristas/PSD e CDS-PP deu lugar à eucaliptiz­ação do país, valendo ainda a pena lembrar que o atual governo até disponibil­izou 18 milhões de euros em janeiro deste ano para melhorar a produtivid­ade na plantação de eucalipto, título pomposo atrás do qual se esconde, por exemplo, o apoio à replantaçã­o de áreas ao fim do terceiro corte.

Capoulas Santos tem de perceber quem deveriam ser os seus alvos e inimigos.

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