Público anda cada vez mais distante do Estádio do Bonfim: análise à crise, num ano com recorde negativo de assistência.
Receção ao Desp. Aves teve a pior assistência entre os 99 jogos já disputados. Marco Tábuas e Fernando Pedrosa apontam causas
Em Setúbal não há quem desconheça o lema do maior clube da cidade e a sul do Tejo: “O Vitória não é grande. É enorme.” Afinal, o centenário emblema sadino é o quarto com mais finais da Taça de Portugal – dez das quais venceu três –, um dos quatro que já levantaram Taça da Liga, o sexto com mais presenças na I Divisão (70) e um historial europeu que contempla 11 participações e as eliminações de equipas como Spartak Moscovo, Fiorentina, Inter e Leeds.
O Estádio do Bonfim, que outrora enchia frequentemente para viver alegrias, tornou-se o palco de um cenário que chega a ser desolador, com bancadas despidas. Na última jornada da I Liga, na receção ao Desp. Aves, foi batido um recorde negativo: 1052 espectadores. Pesquisando pelos registos da Liga, que tem informações relativas a assistências desde 2009-10, chega-se à conclusão de que foi a pior casa vitoriana desde então em jogos do campeonato – batendo os 1230 que estiveram num confronto com o Boavista, numa sexta-feira de dezembro de 2014.
Existe a atenuante de o jogo se ter realizado numa sexta-feira, num dia marcado por chuva. Olhando para os encontros anteriores no reduto setubalense, é impossível tirar outra ilação que não a de uma crise de militância, algo que recentemente também se refletiu na recontagem de sócios: os cerca de 24 mil passaram para pouco mais do que oito mil.
Olhando para a época passada, a pior assistência no campeonato tinha sido de 2081 espectadores, numa receção ao Tondela em mais uma noite de sexta-feira – um padrão a ter em conta –, em vésperas de Natal. Contudo, esse número nem sequer foi atingido em quatro dos seis jogos caseiros da temporada que está a decorrer, incluindo o tal diante dos avenses, o que levou menos gente dos 99 desafios já disputados desta edição da I Liga.
Falta dinheiro e referências
Para Fernando Pedrosa, presidente em vários mandatos entre as décadas de 1960 e 1990, existe uma “série de razões” que justificam a diminuição de público no Bonfim ao longo das últimas épocas. “Há uma crise na região que pode ter alguma influência. Outra razão será o estádio. O Bonfim, quando foi inaugurado em 1962, era um dos estádios mais modernos do país, que para a época era acolhedor e apetecível, mas neste momento está ultrapassado, arcaico e não tem zonas de convivência. Por outro lado, o desempenho da equipa não tem correspondido ao que os sócios e simpatizantes desejavam. As classificações são fraquinhas [ocupa o 15.º lugar] e, em muitos anos, chega ao fim em risco de descida, o que não é entusiasmante. Também faltam referências. Como é que um jovem pode fazer de um jogador o seu ídolo se passado um ano ele vai-se embora?”, apontou ao DN o histórico dirigente de 86 anos que comandava os destinos dos sadinos aquando das conquistas das Taças de Portugal de 1964-65 e 1966-67 e do 2.º lugar na I Divisão, em 1971-72.
Visão idêntica tem o antigo guarda-redes vitoriano Marco Tábuas, que passou perto de duas décadas no clube que o formou. “O Vitória tem passado por dificuldades financeiras e o país também. Houve desemprego e redução de salários. Depois, o Vitória praticamente não tem jogadores com a mística do clube. Na minha altura havia muitos que eram conhecedores do clube, vindos da formação, e outros oriundos de fora que passaram lá muitos anos, como o Auri. Hoje não sinto essa empatia entre adeptos e equipa. E também é verdade que hoje os jogos são todos televisionados”, analisou o ex-guardião, 41 anos, que discorda de Fernando Pedrosa em relação aos resultados.
“O Vitória tem estado sempre na I Liga. Essa não é a razão. Podia criar-se mais iniciativas com o clube, jogadores e coletividades. O Vitória é o maior clube a sul do Tejo e na minha altura havia muita gente
de Setúbal e dos concelhos vizinhos que vinham apoiar”, frisou ao nosso jornal o atual treinador de guarda-redes, que representou a equipa sénior dos vitorianos entre 1995-96 e 2007-08. Grandes implantados na cidade Outra das causas apontadas por Fernando Pedrosa – que vai ser distinguido pelos 75 anos de sócio durante o jantar do 107.º aniversário, a 20 de novembro – é o espaço mediático dado aos três grandes, em comparação com os restantes, algo que tem tido reflexos na cidade. Para o antigo líder vitoriano, “a mocidade acompanha muito os vencedores, e o Vitória não tem andado pelos lugares cimeiros”.
“É a sociedade que temos. Temos muita informação, com a internet e os telemóveis, e os grandes são fortes no marketing e em muitas coisas. Os miúdos também gostam do Vitória, mas primeiro vem um dos três. A criação das academias do Sporting e do Benfica no distrito também condicionaram um pouco, porque antes só podíamos ir ao Bonfim para ver futebol de algum nível”, disse Marco Tábuas, que esteve na conquista da Taça de Portugal em 2004-05 e nas promoções à I Liga em 2000-01 e 2003-04.
Contudo, para Fernando Pedrosa, há mais razões. “Há um certo divórcio entre a cidade e o Vitória, o que pode ter sido consequência de relações menos amistosas que nos últimos anos tem existido entre o clube e a autarquia. Mesmo na II Liga o Bonfim levava multidões e entusiasmava. O Vitória chegava a meter 26 ou 27 mil pessoas em jogos com os grandes, e as assistências andavam à volta dos cinco ou seis mil”, vincou.
Sobre a questão das assistências, a direção do Vitória não se mostrou disponível para falar ao DN.