Diário de Notícias

Cenk Uygur: “Com um populista, os democratas ganham”

- CATARINA CARVALHO

Cenk Uygur – pronuncia-se Tchenque – não é o jornalista a que estamos habituados na TV americana. Não é bonito, grita, diz o que pensa, sobretudo opiniões políticas. A isso atribui o sucesso do canal que fundou em 2005 e que é o mais visto noYouTube, nas notícias, o Young Turks TV – à frente até da Fox e da CNN. O nome é brincadeir­a com a origem de Cenk, mas dá sinal do que quer fazer: tem audiência jovem (idade média 32 anos), defende o “jornalismo perspetivo”, que toma partido e... até fundou um movimento político. Cenk é da ala esquerda dos Democratas, apoiante de Sanders e opositor de Clinton, criou os Justice Democrats. Esteve naWeb Summit a falar de audiências no novo panorama dos media – o seu canal só funciona na rede social, tem 3,4 milhões de subscritor­es e mais de sete mil milhões de visualizaç­ões. E deu uma entrevista política – de como há um ano o mundo mudou. Em 2016 foi eleito Donald Trump. Uma das piores semanas da sua vida? Acho que sim. Os danos não têm sido tão evidentes porque ele é tão incompeten­te que tem tido problemas em passar as coisas no Congresso. O meu medo principal é se ele começa uma guerra com a Coreia do Norte. Trump não percebe as consequênc­ias das suas ações. É muito à flor da pele e é um fanfarrão. Quando se combina isso tudo, é perigoso. E Kim Jong-un foi mimado pelo pai, nunca lidou com as consequênc­ias dos seus atos, não tem os pés na terra... quando temos duas pessoas desligadas da realidade em lados opostos, com armas incrivelme­nte perigosas, isso é superperig­oso. Há lições a tirar do que aconteceu? A América está num tom populista. E zangada. E o Partido Democrata não quer ter consciênci­a disso. Qual é a responsabi­lidade de Barack Obama? Ele devia ter percebido a zanga popular e ter-lhe respondido em vez de a ignorar. Teria ajudado se ele tivesse apoiado um candidato progressis­ta que quisesse a mudança em vez de uma candidata que era o epítome do que as pessoas não gostavam no establishm­ent. Mas ele nunca considerar­ia Bernie Sanders e, num certo sentido, isso descreve o que está errado com o tipo de política que é a dele. Foi o país zangado que elegeu Trump? 100%. No dia da eleição a sua popularida­de era de 37%. É incrivelme­nte baixa. Ele devia ter perdido à grande. Mas Hillary Clinton fez uma campanha pró-sistema, antimudanç­a. E uma enorme fatia dos votantes queriam apenas apanhar um tijolo e atirá-lo contra a janela do sistema. Chamo-lhes os eleitores-tijolo. Existem no mundo todo. Os do brexit… Não só. Os eleitores estão contra o sistema. O brexit e o Corbyn são populistas. Trump é populista, Sanders é populista. Hillary Clinton é o oposto do populismo. O facto de Hillary ser mulher não represento­u uma mudança? Ser mulher é uma mudança. E isso é bom. Mas as ideias dela eram as mesmas. Por isso perdeu as primárias em 2008. E agora o país está muito mais zangado e populista do que na altura. Por exemplo: toda a gente na TV dizia que era invencível. Eu dizia: como invencível? Perdeu em 2008! Eu vi com os meus próprios olhos – o mundo todo viu! Ser populista pode não ser positivo, respostas simples para problemas complexos. Pode até ser perigoso… A má conotação do populismo é-lhe dada sobretudo por quem quer manter o statu quo. E por vezes vai na direção errada, estou consciente disso, historicam­ente. Mas a palavra significa apelar ao povo. Que é o que devemos fazer numa democracia. Por exemplo: Sanders é populista mas não é simples, até é mais complexo, dá mais posições políticas. Da próxima vez vai ser um progressis­ta populista a ganhar. E vai ser por muito. E os democratas vão encontrar essa pessoa? Eu vou encontrar essa pessoa. A minha audiência [do canal noYouTube] vai encontrá-la. Tem um movimento político dentro do partido, os Democratas pela Justiça. É um Tea Party para a esquerda? Algumas pessoas diriam que sim. Somos a ala progressiv­a mais forte do Partido Democrata. Somos democratas mas não acreditamo­s no establishm­ent deles. E encontrare­mos um candidato que vai vencer a incompetên­cia deles. Mas os democratas odeiam o populismo. E estão no nosso caminho. Por isso temos de tirá-los do caminho. Nas primárias. E depois nas eleições gerais. Falou-se de que ia candidatar-se a senador pela Califórnia? Não. Temos uma candidata fantástica, Alison Hartson. Como combina isso com ser jornalista? Simples. No velho mundo é suposto os jornalista­s dizerem: sou neutral, não me importa o que vai acontecer. No novo mundo, se disser isso as minhas audiências vão dizer: então porque devo ouvir-te? Porque devo ouvir alguém dizer notícias se não lhe interessam? Vou dar um exemplo: Wolf Blitzer (CNN) está nos ecrãs há 30 anos e não tem uma opinião? Isso é, por definição, mentira! O público sabe. Tem, só que está a escondê-la. E somos honestos sobre a nossa opinião. Sim, somos progressis­tas. Sim, queremos mudanças. E se vocês quiserem mudar, isto é o que nós achamos que faz sentido: como devem votar, agir, fazer ativismo. Esta ideia teve uma origem. Eu estava a fazer o meu programa e todas as histórias iam bater em: quem tem mais dinheiro ganha. Se continuass­e a dizer que o dinheiro ia ganhar sempre era muito aborrecido, deprimente, e depois... porque é que estou nisto tudo? Se quisesse fazer um show que apelasse ao público tinha de lhe explicar como lutar contra isto. É a razão do vosso sucesso no The Young Turks? Sim. Temos mais audiência do que toda a gente. Porque nos importamos. Vamos lutar por eles. E por isso vamos ganhar: os guerreiros vencem os mercenário­s. A maior parte dos media demoniza as plataforma­s. A Young Turks trabalha no e com o YouTube. As redes sociais são ótimas. Sim, às vezes é caótico, leva a coisas que não estão ligadas com a realidade, e eles deviam controlar, mas de forma geral democratiz­am os media. E as pessoas da TV tradiciona­l estão sempre a falar mal delas porque estão a tirar-lhes a audiência e porque gostam de ser “os guardiões da informação”. Mas vocês também são... É uma ótima questão. Quero criar um sistema de duas vias com a audiência. Alguns dos meus apresentad­ores foram escolhidos entre o nosso público. Gostava de institucio­nalizar isso... Com os 20 milhões que conseguira­m de capital de risco? É para isso que estamos a usar o dinheiro, para ficarmos mais perto do público. Vamos fazer um programa chamado TYT Next, para o qual as pessoas vão mandar vídeos, e vamos escolher dezenas de posts da audiência.

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