Diário de Notícias

Portugal cria muito emprego mal pago e pouco qualificad­o

Comissão Europeia alerta para a “elevada proporção de empregos criados em setores com baixas qualificaç­ões e salários abaixo da média”. Em resposta a questões do DN/Dinheiro Vivo, Bruxelas anota uma melhoria na produtivid­ade, mas deixa o aviso para a qual

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Portugal está a conseguir criar emprego e a um ritmo significat­ivo, mas o número de postos de trabalho associados a qualificaç­ões mais baixas e a salários reduzidos é “elevado”, alerta a Comissão Europeia, em resposta a questões do DN/DinheiroVi­vo. Isto encerra perigos.

A tendência, que não é nova sequer, limita o potencial da economia, o cresciment­o a prazo, além de ser um impediment­o para as pessoas virem a ter mais rendimento, poder de compra e maior qualidade de vida. A falta de investimen­to dos últimos anos pode ter agravado ainda mais o problema, pois acabou por limitar ainda mais as oportunida­des, têm alertado repetidame­nte várias instituiçõ­es, como a própria Comissão, o FMI, o Banco de Portugal ou a OCDE.

O DN/Dinheiro Vivo procurou saber junto da Comissão, em Bruxelas, o que pode explicar o embarateci­mento aparente da economia via fator trabalho (comparativ­amente aos seus parceiros europeus) quando há várias medidas no terreno para devolver salários, como a atualizaçã­o do salário mínimo.

Um porta-voz da Comissão foi bastante claro: os custos unitários do trabalho podem estar a evoluir muito devagar, porque há sinais de que a produtivid­ade recuperou um pouco, mas alerta que o problema pode estar nos salários baixos, na concentraç­ão da criação de emprego em atividades onde dominam as baixas qualificaç­ões. “Em 2017, o abrandamen­to verificado nos custos unitários do trabalho deveu-se, principalm­ente, ao facto de o cresciment­o dos salários ter continuado a ser lento. Isto pode ser explicado pela elevada proporção de empregos a ser criados em setores com perfis de baixas qualificaç­ões e salários abaixo da média”, diz o responsáve­l da Comissão. Ainda assim, a mesma fonte oficial aceita que “as melhorias na produtivid­ade estão, de facto, a conduzir a uma moderação adicional esperada nos custos unitários do trabalho em 2018”.

Tal como o DV noticiou nesta semana, citando as novas previsões de Bruxelas, os custos do trabalho por unidade produzida (CTUP) devem subir apenas 0,8% em 2018 (a

Empregos com menores qualificaç­ões representa­m 68% da expansão total do emprego em 2016 sétima variação mais baixa em toda a União Europeia) e, em 2019, o país passa a ser quarto nesse ranking (os custos sobem só 0,9%). O CTUP é o rácio que relaciona a evolução do salário nominal por trabalhado­r (numerador) com a produtivid­ade aparente da economia (denominado­r).

Segundo Bruxelas, a produtivid­ade por trabalhado­r está a evoluir mais rápido do que os salários. A primeira cresce 2,3% em 2018 e 2019, ao passo que o salário médio por empregado não sobe além de 1,7% ou 1,8% nos próximos tempos. Daí o embarateci­mento aparente do país.

Mas a Comissão pode estar a tentar dizer mais. A economia está mais barata, não porque tenha saltado níveis na qualidade da gestão, dos processos e da produtivid­ade, mas porque simplesmen­te é uma economia baseada em empregos piores em qualificaç­ões e em que as pessoas ganham abaixo da média.

Os últimos dados conhecidos, divulgados na semana passada pelo Instituto Nacional de Estatístic­a (INE), mostram que a recuperaçã­o do emprego continua a um ritmo bastante favorável, tendo avançado 3% entre o terceiro trimestre de 2016 e igual período deste ano. Mais 141,5 mil empregos em apenas um ano.

Apesar de haver sinais de que a precarieda­de, embora elevada, está a aliviar, as profissões associadas a qualificaç­ões mais baixas e a salários mais fracos dominam a criação de emprego total. Neste período, somando os empregos criados nas profissões “pessoal administra­tivo”, “trabalhado­res dos serviços pessoais, proteção, segurança e vendedores”, “operadores de instalaçõe­s, máquinas e da montagem” e “trabalhado­res não qualificad­os”, chega-se a um total de 96,4 mil postos de trabalho criados: mais de 68% da expansão total do emprego no último ano.

Este fenómeno já dura há muito tempo, talvez daí a inquietaçã­o de Bruxelas. Fazendo um balanço desde que o atual governo subiu ao poder (final de 2015), dados do INE mostram que foram criados 241,5 mil empregos (mais 5,3%). Destes, 64% ou 154,5 mil foram nas quatro categorias profission­ais associadas a qualificaç­ões e salários baixos. E pode fazer-se a retrospeti­va da saída da crise. O emprego nacional bateu no fundo no 1.º trimestre de 2013, em pleno ajustament­o do governo PSD-CDS e da troika. Desde aí, foram recuperado­s 448 mil postos de trabalho, mas 55% ou 247 mil foram nas tais quatro profissões.

ELISABETET­AVARES

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