Autarca Ada Colau rompeu pacto de governo em Barcelona com os socialistas, o que pode prejudicar acordo pós-eleitoral. Radicais da CUP vão participar no escrutínio “ilegítimo”
SUSANA SALVADOR Pela primeira vez na Catalunha desde que acionou o artigo 155.º da Constituição e suspendeu a autonomia catalã, o primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, defendeu a sua decisão e apelou ao voto nas eleições autonómicas de 21 de dezembro para “devolver a tranquilidade e a convivência” à região. “É necessário que a maioria silenciosa e silenciada converta a sua voz em voto”, afirmou na apresentação das listas do Partido Popular (PP), lideradas por Xavier García Albiol.
“No dia 21 haverá eleições autonómicas, dentro da Constituição, da legalidade e do Estatuto”, disse o primeiro-ministro, ovacionado pelas 1500 pessoas reunidas no hotel em Barcelona. “Em Espanha pode defender-se qualquer ideia, até independentista, mas os independentistas estarão submetidos à lei como estão todos aqueles que não são independentistas”, referiu Rajoy.
Segundo uma sondagem do El País, 69% dos catalães desaprovam a forma como Rajoy geriu a crise na Catalunha. Mas a mesma percentagem apoia a sua decisão de convocar eleições autonómicas. “Que fariam a França ou a Alemanha se uma das suas regiões fizesse uma declaração unilateral de independência ou não aceitasse cumprir a ordem constitucional? Exatamente o mesmo que nós”, garantiu.
Rajoy pediu às empresas para não fugirem da Catalunha – cerca de 2400 já retiraram a sua sede social ou fiscal da região. E apelou aos espanhóis para continuar a comprar produtos catalães: 23% dos consumidores fora da Catalunha admitiram que já os boicotam e outros 21% que o farão em caso de independência. Fim do pacto em Barcelona Numa consulta aos militantes, a Barcelona en Comú, da presidente da câmara Ada Colau, decidiu romper o pacto de governo com os socialistas no governo da cidade, governando a partir de agora à base de acordos com objetivos concretos. Uma decisão que põe em risco um eventual pacto de esquerdas, depois das eleições de 21 de dezembro, entre o PSC, Catalunya en Comú e a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC). “Como vamos dizer aos eleitores que queremos governar a Catalunha com quem nos expulsou do governo de Barcelona? Seria muito estranho”, disse o líder do PSC, Miquel Iceta, acusando Colau de entre Barcelona e a independência escolher a independência.
A hipótese deste tripartido tem estado em cima da mesa, com o líder do Podemos, Pablo Iglesias, a dizer que o partido estaria disponível para este pacto de esquerda, que deixaria de lado qualquer debate sobre a questão independentista, para se focar na agenda social. O Podem (a versão catalão do Podemos) aceitou concorrer em coligação com a Catalunya en Comú às eleições. Ambos se mostram contra a aplicação do artigo 155.º da Constituição, mas também contra a declaração unilateral de independência, tendo sempre defendido um referendo negociado com Madrid.
A hipótese deste tripartido é viável, segundo as sondagens, e podia ser uma alternativa. De tal forma que o candidato do PP, Xavier García Albiol, admitiu ter receio das “tenta- ções” dos socialistas em reeditar um tripartido (já governaram a três na Catalunha, entre 2003 e 2010, com a ERC e partidos que atualmente fazem parte da Catalunya en Comú). Para Albiol, PP, PSC e Ciudadanos estão “obrigados” a chegar a um acordo de governo (as sondagens dizem que tal não é suficiente).
Mas também não parece haver disponibilidade para reeditar o tripartido da parte da ERC, que já rompeu vários pactos de governo a nível autárquico com os socialistas por causa do seu apoio ao artigo 155.º. E, a partir da prisão, o cabeça-de-lista da ERC às eleições, Oriol Junqueras, acusou o PSC de “calar e amparar com o seu silêncio” a violência em manifestações contrárias à independência da Catalunha. Para a ERC, o verdadeiro pacto de esquerda seria com o Catalunya en Comú e com a Candidatura de Unidade Popular (CUP, radicais).
Apesar de considerar “ilegítimas” as eleições, por terem sido convocadas por Rajoy após acionar o artigo 155.º, a CUP aceitou ontem ir a votos. Na consulta aos militantes durante a Assembleia realizada ontem, 91,6% disseram “sim” a participar nas eleições e 64% em fazê-lo em nome próprio e não em alianças pré-eleitorais. O lado independentista ficará concluído com uma“lista do presidente”, liderada pelo ex-líder da Generalitat Carles Puigdemont (em Bruxelas, à espera da decisão sobre uma eventual extradição), que não incluirá as siglas do Partido Democrático Europeu Catalão (PDeCAT).