Diário de Notícias

O interesse de Meral Aksener pela política surgiu em 1968, aos 12 anos, com a eleição da primeira mulher autarca na sua cidade natal

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Meral Aksener não é uma mulher de fugir à luta. Em 1997, era ministra da Defesa quando os militares começaram a movimentar-se para afastar o governo do poder e não hesitou em fazer-lhes frente. Um general ameaçou colocá-la empalada “num espeto oleado em frente ao ministério”. Anos mais tarde, em tribunal, disse: “Fiz o que era suposto fazer.” Recentemen­te, apresentou o seu novo partido, que poderá vir a ser um grande desafio para o presidente Recep Tayyip Erdogan nas eleições de 2019.

“A Turquia e o seu povo estão cansados, o Estado está desgastado e a ordem pública a desfazer-se. Não há outra maneira senão a mudança da atmosfera política”, disse Aksener, de 61 anos, no lançamento do seu partido, o Partido Bom, no final de outubro, que se identifica como nacionalis­ta, conservado­r e pró-Europa. “Nós somos a saída, vocês são a saída. O caminho é a forte nação turca de 80 milhões”, prosseguiu a ex-ministra, tendo atrás de si o símbolo do seu partido – um sol amarelo a brilhar num céu azul. “O nosso povo está a dizer claramente o que quer... um novo governo.”

Conhecida como “dama de ferro” ou“mãe turca”, Aksener nasceu a 8 de julho de 1956 em Izmit, uma cidade nos arredores de Istambul, no seio de uma família de imigrantes muçulmanos gregos. O seu interesse pela política surgiu bem cedo, com a eleição de Leyla Atakan, a primeira mulher a chegar a autarca em Izmit, em 1968. Licenciada em História, a agora líder do Partido Bom deixou o seu cargo como diretora de departamen­to numa universida­de em 1994 para, no ano seguinte, ser eleita como deputada. Em 1996, entrou para o governo como ministra da Defesa e nunca mais deixou a política e o foco mediático na Turquia.

Agora, Aksener e o seu Partido Bom são vistos por muitos na Turquia como os grandes adversário­s de Erdogan nas eleições presidenci­ais e parlamenta­res previstas para 2019, tendo potencial para conquistar apoiantes de vários partidos, incluindo o conservado­r de raízes islâmicas AKP, do presidente, bem como grupos seculares e nacionalis­tas.

Meral Aksener foi eleita pela primeira vez para o Parlamento turco em 1995, um ano após abandonar a sua carreira universitá­ria Neste momento, apenas cinco dos 550 deputados do Parlamento turco se juntaram à força de Akse- ner, todos eles vindos do seu antigo partido, o nacionalis­ta MHP – foi expulsa no ano passado, depois de uma tentativa falhada para afastar o líder Devlet Bahceli, cujo apoio ajudou Erdogan a conquistar uma curta vitória no referendo de abril que deu mais poderes ao presidente.

“O partido de Meral Aksener vai levar a grandes mudanças na atmosfera política da Turquia”, disse à Reuters Hakan Bayrakci, da empresa de sondagens SONAR. “Isto pode não ser imediato, mas dentro de três a cinco meses acredito que essa mudança será visível.” “A forma como ela transmite a mensagem dos que se opõem a Erdogan, ou se sentem desconfort­áveis com a sua governação, penso que ela fez um trabalho fantástico em passar essa mensagem”, afirmou à revista Time Gonul Tol, diretor do Centro de Estudos Turcos do Instituto do Médio Orien- te emWashingt­on.

Curiosamen­te, a mensagem da “dama de ferro” turca atrai o mesmo tipo de eleitores que têm apoiado Erdogan e, por isso mesmo, representa uma ameaça única para o presidente: nacionalis­tas, religiosos e pró-mercado. Aksener tem também uma posição hostil em relação aos separatist­as curdos, diz ser a favor da presença de três milhões de refugiados sírios no país, mas mostra “preocupaçõ­es” em relação à sua presença.

“O nome dela chama a atenção, ela entusiasma as pessoas. Ela é uma candidata que pode realmente ganhar”, defendeu recentemen­te Soli Özel, professor de Relações Internacio­nais na Universida­de Kadir Has, em Istambul. “A coisa mais importante sobre a candidatur­a de Aksener é a necessidad­e desesperad­a da classe média turca em ter um candidato e um partido fora da oposição oficial nos quais eles possam votar em boa consciênci­a”, acrescento­u o mesmo especialis­ta.

Uma sondagem divulgada no passado dia 1 mostra que o partido de Meral Aksener poderá custar ao presidente um apoio crucial e potencialm­ente ocupar o lugar de maior partido da oposição. O estudo de opinião, feito pela Gezici, mostra que o Partido Bom poderá protagoniz­ar uma dramática mudança na cena política turca, eclipsando o secular CHP.

Apesar de contar atualmente com cinco deputados, esta sondagem sugere que o Partido Bom pode conquistar eleitores de outras formações políticas, incluindo o AKP de Erdogan, no poder desde 2002. Aliás, este estudo de opinião mostra que o partido do presidente cai para 43,8% das intenções de voto, menos 5,7 pontos percentuai­s do que teve nas eleições de novembro de 2015.

Já o Partido Bom arrecada 19,5%, batendo o CHP, com menos um ponto percentual, o que seria a primeira vez desde as eleições de 2002 que a força secularist­a não seria o principal partido da oposição. Os nacionalis­tas do MHP, o antigo partido de Aksener, e o pró-curdo HDP surgem abaixo dos 10% necessário­s para entrar no Parlamento.

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