Diário de Notícias

Salvador Sobral dez milhões de vezes após a vitória da Eurovisão

Seis meses após vencer a competição em Kiev, o mais recente álbum do cantor chega a disco de platina. Muitos são os famosos e anónimos que aguardam o seu regresso aos palcos

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Após Amar pelos Dois, o cantor só deixou de subir aos palcos de todo o país por causa da doença

ANA CARREIRA Havia qualquer coisa de euforia no ar naquela noite. Nos cafés e restaurant­es, todos encostaram o ouvido ao televisor à espera da pontuação lá longe, em Kiev, na Ucrânia. Era a noite de sábado, 13 de maio, e faz hoje seis meses que Salvador Sobral venceu o Eurovisão da Canção com uma pontuação nunca vista: 758 pontos, o máximo na história do festival europeu.

O miúdo que despertara para a música nas viagens de carro em família e que chegara aos finalistas do concurso de talentos Ídolos há oito anos acabara de fazer história. Poucas horas mais tarde, o aeroporto de Lisboa apinhava-se de gente estonteada pela vitória. Até recolher a bagagem, Salvador Sobral não acreditava no burburinho na Portela, e mesmo depois de a poeira assentar, o artista não voltou a ter tempo para pousar as malas. O ciclone da fama engolia-o.

Mais de 30 concertos se seguiram e outros tantos estão prometidos em países como Brasil, Japão, Argentina, Rússia, Ucrânia, só para enumerar alguns. “O mundo inteiro está à espera dele”, revela Ana Paulo, a agente que partilhou com o DN algumas memórias destes últimos seis meses.

Voltando a Kiev, por aqueles dias de ensaios antes do programa, recorda que “havia muito frenesim mas ninguém tinha noção onde poderia chegar esta vitória, muito menos o Salvador”. E os números não mentem. Segundo dados disponibil­izados pela editora Sony que detém a distribuiç­ão do tema Amar pelos Dois, da autoria da irmã Luísa Sobral, o número é impression­ante: 9 821 127 de audições só na plataforma de streaming Spotify até hoje.

Quase dez milhões de vezes a voz de Salvador e as notas de Luísa se fizeram ouvir em dispositiv­os digitais. Os dados oficiais da Associação Fonográfic­a Portuguesa apontam para streams gerais na ordem dos três milhões.

À parte as plataforma­s digitais, o álbum Excuse Me de Salvador Sobral, editado dois meses antes da vitória em Kiev e que não contém o tema, multiplico­u por dez as vendas das 1500 unidades adquiridas até à data do festival, para os mais de 15 mil discos depois da vitória no Eurovisão. Segundo Lola Coelho, da Valentim de Carvalho, a editora do cantor, o disco tem lugar cativo no top de vendas nacional há 35 semanas consecutiv­as. “As pessoas foram claramente atrás do artista, e hoje já é disco de platina”, confirma. Caetano e Simone com Salvador Ana Paulo garante que a mudança também se fez sentir no seio do público nos concertos: “Acho que dantes era impensável as pessoas aplaudirem um solo de contrabaix­o como aconteceu em alguns concertos e nesse aspeto pode ter ocorrido uma mudança na forma de ouvir música dos portuguese­s.”

Sobre a noite lendária na Ucrânia, a manager guarda na memória o momento em que alguém a avisa que Caetano Veloso tinha apelado ao voto em Salvador na rede social Instagram. Retém até hoje as palavras do miúdo Sobral no momento em que lhe revela a informação, momentos antes da vitória. “Já não preciso de ganhar nada, já ganhei tudo”, disse o cantor que tem em Caetano o seu maior ídolo vivo.

Não tardou a que o encontro entre os dois se desse na casa da fadis- ta Carminho, onde Sobral acompanhou Caetano à guitarra, e onde trocaram notas, abraços e confidênci­as. “Desde essa altura, o Caetano tem acompanhad­o de perto a carreira dele, têm uma grande química, tornaram-se muito próximos”, revela a agente.

Contactada a agente de Caetano Veloso, Paula Lavigne, disse que “Salvador é muito querido e que se ia ‘empenhar’ em ter umas palavras da lenda brasileira a tempo da entrega do texto. E a resposta chegou poucas horas depois. “Delicadeza, musicalida­de natural, concentraç­ão, respeito pela história da canção, em suma, civilizaçã­o e cultura elevada. Para mim, Salvador passou a ser uma das referência­s na música mundial”, escreveu CaetanoVel­oso.

Se há artista que saiba o que é ter um país aos pés num regresso da Eurovisão é Simone de Oliveira. Foi em 1969, ao chegar de Madrid, que milhares de portuguese­s a esperaram em Santa Apolónia: “Segui com toda atenção a prestação dele em direto e foi de facto incrível, uma simplicida­de e elegância e uns versos lindos cantados em português, o que para mim é fundamenta­l. Sobre a ovação dos portuguese­s, que Simone também teve, disse: “Foi muito bonito, pois sabe muito bem esse quentinho na alma.”

Para Miguel Araújo, um dos mais completos artistas da nova geração, o importante é a “autenticid­ade” do cantor: “Verdade seja dita que há muito que o palco da Eurovisão estava arredado, era assim uma coisa mais kitsch por assim dizer, e ele entregou-se com uma grande seriedade e plenitude, isso foi uma grande lição para mim.” O cantor fez questão de afirmar que hoje canta e toca melhor graças a Salvador Sobral.

Já o músico e compositor Janeiro, mais desconheci­do do grande público (foi a escolha de Salvador Sobral na lista de compositor­es para o próximo festival da canção, a 12 de maio em Lisboa), adianta que Salvador tem “tão a música dentro dele que é um pedaço de arte na forma de ser humano”. Quanto ao seu papel em abrir portas para novos talentos, o músico natural de Coimbra considera difícil “só por si, um tema mudar a cultura musical dos portuguese­s”, mas certamente irá influencia­r as próximas gerações: “Ele e a irmã entregaram-nos a chave, agora tem de ser um movimento inteiro a representa­r a mudança.”

Em pausa “temporária” na carreira desde setembro, devido a problemas de saúde, a voz de Amar pelos Dois continua a trabalhar, mesmo hospitaliz­ado, à espera dum transplant­e de coração. “O trabalho que o Salvador desenvolve tem que ver com processos futuros que já estão a decorrer e aos quais temos de dar vazão, a participaç­ão dele é essencial”, revela Ana Paulo. E o músico não está sozinho, pois todos os dias recebe o apoio de muitos fãs.

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