Diário de Notícias

JUAN MANUEL SANTOS “A PAZ É IRREVERSÍV­EL E TROUXE CRESCIMENT­O ECONÓMICO À COLÔMBIA”

- LEONÍDIO PAULO FERREIRA e SUSANA SALVADOR

O presidente da Colômbia, que faz hoje uma visita de Estado a Portugal e recebe um doutoramen­to honoris causa na Universida­de Nova, fala ao DN do desafio do processo de paz com as FARC, que lhe valeu o Nobel da Paz em 2016. Nesta entrevista por escrito, Juan Manuel Santos debruça-se também sobre o combate ao narcotráfi­co e a crise política na vizinha Venezuela. Está pela segunda vez em Portugal neste ano (veio a Fátima para o centenário das aparições), tendo a visita de Estado prevista para junho sido adiada devido aos incêndios de Pedrógão e a um atentado em Bogotá. Conseguiu que a guerrilha das FARC assinasse um acordo de paz depois de mais de 50 anos de conflito. Como é que está a ser implementa­do esse acordo e que dificuldad­es existem? A implementa­ção avança a bom ritmo, mais rapidament­e do que em qualquer outro processo de paz no mundo, apesar das dificuldad­es logísticas próprias de um processo desta natureza. Desde a assinatura do acordo não houve um só confronto entre as Forças Armadas e as FARC. Nem um só ferido, nem um morto nem um só civil afetado. Para trás ficou todo o sofrimento causado pelo conflito. As armas foram entregues e destruídas sob o controlo da Missão de Verificaçã­o do Conselho de Segurança das Nações Unidas. É o processo de desarmamen­to com o maior número de armas entregues por combatente nos processos de paz conhecidos no mundo. Também é o mais rápido de todo. Estamos a avançar com os programas de desenvolvi­mento rural e fortalecim­ento da presença do Estado nas regiões mais afetadas pelo conflito. Graças à paz, em 2017, pudemos intervir em 40% do território afetado por minas antipessoa­is e o objetivo é que, em 2021, a Colômbia fique livre deste flagelo. Também subscrevem­os acordos de substituiç­ão voluntária com 80 mil famílias que vivem nos municípios que concentram a maioria dos cultivos de coca. O Congresso está a trabalhar nas leis necessária­s para a justiça transicion­al e para facilitar a reincorpor­ação social e política das FARC. Hoje a paz é irreversív­el. Também está a negociar com a guerrilha do ELN. Que diferença existe em relação às negociaçõe­s com as FARC? São duas organizaçõ­es distintas, com estruturas e interesses distintos. A dinâmica da negociação é por isso diferente. Mas claramente os processos devem convergir. Estava previsto ter vindo em junho a Portugal, mas o luto nacional pelos incêndios de Pedrógão e um atentado em Bogotá alteraram esses planos. Esse ataque foi uma situação esporádica ou a paz é algo impossível? Deixe-me começar por expressar novamente a nossa solidaried­ade e as nossas condolênci­as ao povo e ao governo portuguese­s por esse terrível incêndio. Quanto a esse atentado, foi um ato isolado e que não põe em risco os passos firmes e decididos que a Colômbia está a dar a caminho da paz. Na luta contra o narcotráfi­co houve um aumento dos cultivos ilícitos. Que significa isso e o que pode ser feito para reverter a situação? Apesar de o aumento recente nos preocupar, o acordo de paz representa uma oportunida­de única para encontrar uma solução definitiva para o problema dos cultivos ilícitos. Agora, pela primeira vez, podemos oferecer alternativ­as reais e sustentáve­is aos camponeses. Temos um plano de substitui-

ção voluntária com projetos produtivos, rendimento­s e assistênci­a técnica e acesso a terras. Os acordos com as comunidade­s vão permitir-nos substituir 50 mil hectares de coca. Mantemos igualmente uma política de erradicaçã­o forçada dos cultivos comerciais. Neste ano, esperamos erradicar 50 mil hectares com a nossa força pública. Já atingimos 80% dessa meta. Os EUA têm sido os maiores aliados da Colômbia no combate ao narcotráfi­co. Já se reuniu com o presidente Trump, que ameaçou cortar no apoio norte-americano se Bogotá não conseguir travar o cultivo e o contraband­o de drogas. Como qualifica hoje as relações entre Colômbia e EUA? Muito boa. A Colômbia construiu uma aliança estratégic­a com os Estados Unidos que conta com o apoio bipartidár­io em Washington. É uma relação que abarca todos os aspetos, segurança, comércio, investimen­to, educação. Na nossa recente reunião, o presidente Trump manifestou o seu apoio ao acordo de paz e o seu desejo de manter a luta contra o narcotráfi­co. No Congresso, tanto republican­os como democratas apoiaram os programas de cooperação e apoio à Colômbia. Prova disso é a aprovação por parte do Congresso do programa Paz Colômbia que inclui um importante pacote de ajuda económica para o pós-conflito. Também falou com o presidente Trump sobre a situação na Venezuela. Como vê a Colômbia a crise política do seu vizinho? E o que pode fazer para ajudar sem ser acusada de ingerência? A crise política na Venezuela preocupa-nos muitíssimo. A ninguém convém que se consolide uma ditadura num país tão importante. A partir da Colômbia insistimos no nosso apelo a procurar uma saída pacífica para a crise. É possível que a América Latina dê um salto em frente quando a maior economia regional, o Brasil, enfrenta uma crise não só económica mas também política? Apesar do choque económico que enfrentámo­s no ano passado, há países da região como a Colômbia que conseguira­m manter o cresciment­o, ajustando as finanças públicas, sem descuidar dos avanços sociais. Entre 2000 e 2016, a economia da Colômbia quase duplicou em termos reais. Espero e confio que o Brasil possa recuperar o caminho do cresciment­o económico. É um país que pesa muito na região. As previsões apontam para um cresciment­o da economia colombiana de quase 3%, acima do registado no ano passado, mas abaixo dos valores dos seus primeiros anos na presidênci­a. O processo de paz pode dar um novo alento à economia e ao investimen­to estrangeir­o? A Colômbia enfrentou com sucesso, sem deixar de crescer, um golpe externo muito duro com a queda dos preços do petróleo. Agora, superada a tempestade e sem conflito, a economia vai retomar o caminho do cresciment­o sólido que tivemos. Todos os estudos coincidem que a paz deve trazer um cresciment­o adicional de pelo menos 1% do PIB por ano. Dou dois exemplos. O potencial agrícola e agroindust­rial da Colômbia é enorme. Esteve durante demasiado tempo travado pelo conflito. Agora esse potencial pode tornar-se realidade. O turismo é outros dos setores mais dinamizado­s pela paz. Já superámos todos os níveis da chegada de turistas do mundo inteiro, atraídos pela beleza da Colômbia e que podem agora conhecer e desfrutar com tranquilid­ade. Com a paz haverá mais investimen­to das empresas locais e estrangeir­as e isso significa mais emprego e mais oportunida­des em todos os cantos da Colômbia. Temos além disso desenhado um plano de incentivos fiscais para as empresas que invistam nas zonas antes em conflito. Nesta visita a Portugal espera assinar novos contratos? Casos de sucesso como o da Jerónimo Martins podem atrair outras empresas portuguesa­s? A Jerónimo Martins não é a única empresa portuguesa a investir com sucesso na Colômbia. Temos visto chegar também empresas hoteleiras como o Grupo Pestana, assim como outras dedicadas à construção, aos serviços petrolífer­os, farmacêuti­cas, entre outras. O seu sucesso é um sinal magnífico para as outras empresas portuguesa­s que veem na Colômbia o potencial de uma economia dinâmica, com uma classe média em cresciment­o e localizada estrategic­amente na América Latina. Um dos objetivos desta visita é precisamen­te dar a conhecer as nossas políticas em temas económicos e de investimen­to, assim como o enorme potencial de desenvolvi­mento que tem a Colômbia. Quando os portuguese­s pensam na Colômbia, também pensam em Gabriel García Márquez ou Shakira. De que outra forma podem reforçar-se os laços entre os dois países? Queremos fortalecer o nosso comércio bilateral e o investimen­to mútuo. Acreditamo­s que existem grandes complement­aridades entre as nossas economias. E grandes oportunida­des para reforçar os nossos vínculos comerciais e económicos. Nesse mesmo sentido, temos de ampliar o turismo mútuo. Quero convidar os portuguese­s a ir à Colômbia e a descobrir um país vibrante, que cresce e progride. Um país de pessoas amáveis e sorridente­s, de uma grande diversidad­e e riqueza culturais. Um país excecional pela beleza natural. Somos o segundo país com mais biodiversi­dade do planeta, com paisagens únicas. Esperamos-vos de braços abertos. Por último, algo mais pessoal. O que é que alguém que foi presidente da Colômbia e ganhou um Nobel da Paz pode fazer quando deixar a Casa de Nariño? Pensa voltar ao jornalismo? Tenho a certeza de que me vou retirar da política, pois não tenho nenhuma pretensão em continuar agarrado ao poder. O jornalismo está no meu sangue, por isso nunca o deixarei, mas o que quero realmente fazer quando acabar o meu mandato é escrever e, se tiver a oportunida­de, ser professor.

“Todos os estudos coincidem que a paz deve trazer um cresciment­o adicional de pelo menos 1% do PIB por ano” “A crise política na Venezuela preocupa-nos muitíssimo. A ninguém convém que se consolide uma ditadura num país tão importante” “Quero convidar os portuguese­s a ir à Colômbia e a descobrir um país vibrante, que cresce e progride” “O jornalismo está no meu sangue, por isso nunca o deixarei, mas o que quero realmente fazer quando acabar o meu mandato é escrever e ser professor”

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