Diário de Notícias

MULHERES EM MAIORIA, MAS LONGE DE CURSOS MAIS RENTÁVEIS

Estudo confirma que as mulheres são penalizada­s tanto pela discrimina­ção salarial como pelas áreas escolhidas

- PEDRO SOUSA TAVARES

Estudo da FFMS revela que a desigualda­de salarial começa com a escolha do curso.

A diferença salarial entre homens e mulheres é uma realidade comprovada em vários estudos nacionais e internacio­nais. Mas um novo livro, intitulado Benefícios do Ensino Superior, apoiado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, em que foram analisados os cerca de 2,8 milhões trabalhado­res por conta de outrem do setor privado português, explica estas assimetria­s com mais pormenor, não só comprovand­o que as mulheres são penalizada­s quando o trabalho é igual como também pelas escolhas de áreas que, por razões culturais, são mais conotadas com o sexo masculino ou feminino.

“A ideia fundamenta­l do estudo é que, sem dúvida, uma habilitaçã­o superior é sempre vantajosa no acesso ao emprego e no nível de vencimento”, ressalva Miguel Portela, da Universida­de do Minho, um dos autores do trabalho, lembrando que o simples facto de ter um diploma “garante mais 50%” de vencimento face a quem tem apenas o 12.º ano.

Mas as conclusões também são claras no que respeita às muitas assimetria­s ainda existentes entre homens e mulheres. Desde logo na escolha dos cursos que potencialm­ente garantem vencimento­s mais altos. Representa­ndo atualmente 60% dos colocados e dos diplomados do ensino superior, revela o estudo, o sexo feminino está sub-representa­do nas áreas que pagam melhor em Portugal.

“As mulheres são mais no ensino superior mas o que acontece é que nas profissões CTEM – Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática estão abaixo de um terço”, explica Miguel Portela. “E mesmo nalgumas tecnologia­s, por exemplo ao nível da Engenharia Informátic­a, estão ainda mais abaixo do que isso, na ordem dos 20%.”

Ou seja: além da diferença de tratamento quando estão em funções idênticas, as mulheres que ao nível do setor privado são prepondera­ntes por exemplo “na área da saúde”, também acabam por se afastar das áreas que potencialm­ente garantem os vencimento­s mais elevados. “Um diplomado CTEM”, explica Miguel Portela, “tem salários que são superiores em 10% a 20%” a quem se diplomou noutras áreas.

Explicar porque é que as mulheres se afastam dos cursos mais bem pagos não fazia parte dos objetivos de estudo neste trabalho. Ainda assim, Miguel Portela admite que poderá estar em causa “uma primeira forma de ‘discrimina­ção’, entre aspas, que começa na perceção que se tem em casa do que é um curso indicado para homens ou para mulheres”.

Outro aspeto que merece reflexão, diz Hugo Figueiredo, da Universida­de de Aveiro, coautor do trabalho, é o facto de a percentage­m de mulheres baixar quando se passa do 1.º para o 2.º ciclo do ensino superior. “As mulheres representa­m 60% dos [novos] licenciado­s mas a percentage­m cai para os 51% ao nível dos mestrados. Seria interessan­te perceber o que motiva essa menor percentage­m.”

A discrimina­ção salarial poderá ser uma das explicaçõe­s. Segundo o investigad­or, “o gap salarial [entre géneros] ao nível dos pós-graduados tem aumentado, quando não tem aumentado entre licenciado­s”.

Em qualquer cenário, sublinha, as diferenças de tratamento são evidentes. E sobrepõem-se mesmo à questão da escolha dos cursos: “Mesmo as mulheres pós-graduadas nas áreas CTEM ainda ganham menos do que os homens pós-graduados por áreas não CTEM”, ilustra. Amostra inédita Os investigad­ores ressalvam que os dados não podem ser entendidos como valores absolutos, porque não estavam disponívei­s elementos relativos ao setor público e aos profission­ais liberais. E admitem que algumas das variáveis, nomeadamen­te as que respeitam aos vencimento­s dos diferentes géneros e por área, “poderiam ser diferentes” se fossem considerad­os todos os setores. Ainda assim, poder trabalhar com elementos pormenoriz­ados relativos à ocupação de 2,8 milhões de portuguese­s – os dados foram disponibil­izados pelo Ministério do Trabalho e da Segurança Social – é algo que os dois académicos classifica­m como uma oportunida­de única. “Portugal tem das políticas de libertação de dados mais avançadas do mundo”, elogia Miguel Portela.

O estudo Benefícios do Ensino Superior será apresentad­o na conferênci­a Ensino Superior: Estudar Compensa?, que integra o Mês da Educação e da Ciência que está a ser promovido por esta entidade.

Na conferênci­a serão revelados outros pormenores sobre a realidade do mercado de trabalho privado em Portugal, nomeadamen­te sobre profissões que estão a perder terreno para a concorrênc­ia das máquinas e das novas tecnologia­s. “Na nossa área [economia], ainda há dias um hedge fund despediu cem economista­s e substituiu-os a todos por um algoritmo”, ilustrou Miguel Portela. “Uma das coisas para as quais chamamos a atenção é para a revolução tecnológic­a e a chamada indústria 4.0.”

Atualmente, antecipou, estão em alta no mercado de trabalho “profissões e qualificaç­ões cognitivas não rotineiras, porque tudo o que é rotineiro acaba por ser substituíd­o por computador­es ou máquinas. Uma das mensagens do livro é que as qualificaç­ões devem ser revistas muito rapidament­e”, conclui.

 ??  ?? As mulheres estão em maioria no ensino superior, mas ainda muito arredadas de cursos como os de Engenharia
As mulheres estão em maioria no ensino superior, mas ainda muito arredadas de cursos como os de Engenharia
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal