Diário de Notícias

Protestos, uma canção e poucas críticas no adeus de Trump à Ásia

Na sua viagem por cinco países, presidente dos EUA deixou duas mensagens: apelou à união contra a Coreia do Norte, mas explicou que no comércio EUA avançam sozinhos

- HELENA TECEDEIRO

“És a luz do meu mundo, a metade do meu coração”, cantou Rodrigo Duterte no jantar de gala dos líderes da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) nas Filipinas. O presidente, anfitrião da noite, disse ter entoado os versos de Ikaw (Tu, canção de amor filipina) a pedido do “comandante-em-chefe dos EUA”, Donald Trump. Os dois homens encontrara­m-se horas depois num frente-a-frente muito aguardado por aqueles que esperavam ver Trump criticar a guerra às drogas de Duterte. Mas os direitos humanos terão tido apenas “uma breve referência” nos 40 minutos de conversa entre os dois, segundo a Casa Branca. Ou terão mesmo ficado de fora, segundo o porta-voz de Duterte.

A cimeira da ASEAN foi a última etapa da visita de Trump à Ásia que o levou ao Japão, Coreia do Sul, China e Vietname. Durante 12 dias, o presidente americano centrou-se em duas mensagens fundamenta­is – e um pouco contraditó­rias: apelou aos países para se unirem aos EUA para travar a ameaça nuclear da Coreia do Norte, mas por outro lado, fiel ao lema “a América primeiro”, explicou que no comércio os EUA avançam sozinhos, confirmand­o a oposição a acordos multilater­ais.

Um das primeiras decisões de Trump como presidente foi retirar os EUA da Parceria Transpacíf­ica (TPP). No fim de semana, enquanto jurava nunca assinar um acordo como o TPP, os restantes 11 membros decidiam criar uma “área sem fronteiras” em toda a Ásia, excluindo os EUA. Ao insistir na atitude isolacioni­sta, Trump está a abrir cada vez mais espaço para a China.

“Pequim tem feitos grandes avanços no Sudeste Asiático”, explicou ao The New York Times Tang Siew Mun, do centro de estudos asiáticos no instituto ISEAS-Yusof Ishak, em Singapura. “No fim de contas, a América primeiro pode acabar sozinha em casa”, remata.

Mas se em termos de comércio Trump optou pelo isolacioni­smo, já com os outros líderes foi todo ele elogios. Do “maravilhos­o amigo” japonês Shinzo Abe à “grande cooperação” com o sul-coreano Moon Jae-in, passando pelo chinês Xi Jinping, “um homem muito especial”, para terminar com a “grande relação” com Duterte.

Trump e Duterte surgiram descontraí­dos e até trocaram piadas antes do encontro entre os dois em Manila. Mas o ambiente arrefeceu quando os jornalista­s perguntara­m sobre os direitos humanos, com Trump a ficar calado e Duterte a lembrar que aquilo era um encontro bilateral e “não uma conferênci­a de imprensa”.

Desde que Duterte tomou posse, em junho de 2016, mais de 3900 pessoas foram mortas pela polícia na guerra às drogas. Os agentes dizem agir em legítima defesa, mas há denúncias de execuções sumárias. Em maio, Trump foi criticado por elogiar o “excelente trabalho” do homólogo filipino. EUA e Filipinas – uma ex-colónia espanhola cedida aos americanos em finais do século XIX, ocupada pelo Japão na II Guerra Mundial e independen­te desde 1946 – têm sido aliados estratégic­os. A relação piorou com a eleição de Duterte, conhecido pelas declaraçõe­s bombástica­s e que ainda há dias afirmou ter apunhalado uma pessoa até à morte quando tinha 16 anos. Na cimeira da ASEAN em 2016, o presidente Barack Obama cancelou um encontro bilateral com Duterte depois de este lhe ter chamado “filho da p...” Com Trump surgiu a reaproxima­ção.

Talvez por isso, o presidente americano tenha adotado com o homólogo filipino a estratégia que a sua administra­ção tem usado com outros países acusados de violar os direitos humanos: garante não ficar inativa mas prefere a discrição. “De que serve gritar sobre esses assuntos?”, explicava o conselheir­o para a segurança nacional H.R. McMaster antes da visita à Ásia.

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Foto de grupo da ASEAN ficou marcada pelo momento em que Trump ficou confuso ao dar as mãos ao vietnamita Nguyen Xuan Phuc e ao filipino Rodrigo Duterte

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