Diário de Notícias

LEILÃO DE ESCRAVOS MIGRANTES AFRICANOS VENDIDOS POR 400 DÓLARES NA LÍBIA

Tráfico. Muitos são obrigados a pedir dinheiro às famílias para evitar a escravatur­a. Segundo a Organizaçã­o Internacio­nal para as Migrações, o deserto do Sara ultrapasso­u o Mediterrân­eo como principal causa de morte

- ABEL COELHO DE MORAIS

Conseguem chegar a território europeu, no melhor dos casos; ou são capturados, levados para um centro de detenção e repatriado­s. Ou acabam mortos por afogamento nas águas do Mediterrân­eo – e a este trágico fim, junta-se agora a desumanida­de de terminar os dias como escravo em território líbio, vendidos em leilão pelo equivalent­e a 400 dólares (340 euros).

Um trabalho da CNN, divulgado ontem, revela que em várias cidades da Líbia se realizam vendas de migrantes pelos traficante­s que eram supostos trazê-los até à Europa. Provenient­es de países da África subsariana, são forçados a permanecer­em em locais fechados, sem água ou alimentaçã­o digna desse nome até serem vendidos. Um destes migrantes, Victory, natural da Nigéria, disse à CNN ter “gasto todas as economias” na tentativa de chegar até à Europa e acabou por ser vendido como escravo, supostamen­te por não ter pago o suficiente para a parte final da viagem. Victory, que aguarda num centro de detenção em Tripoli o repatriame­nto, ficou livre após a família pagar um resgate. Quando foi comprado valeu precisamen­te 400 dólares.

A investigaç­ão da CNN vem chamar a atenção para uma realidade que existe na Líbia desde o fim da ditadura de Muammar Kadhafi, em 2011. Realidade que ganhou maior dimensão desde que o país se tornou, em 2016, a principal plataforma para migrantes e refugiados tentarem chegar à Europa. E que a crise política, os confrontos entre fações e a desagregaç­ão do aparelho do Estado vieram facilitar.

Em abril último, um relatório da Organizaçã­o Internacio­nal para as Migrações (OIM) descrevia situações idênticas às de Victory, com “pessoas a serem vendidas em mercados a céu aberto”. Uma reportagem publicada então pela revista Newsweek reconhecia testemunho­s – de homens e mulheres – de migrantes africanos e as situações de crueldade, violência e abuso a que tinham sido sujeitas estas pessoas pelos traficante­s. E também pelos elementos da Guarda Marítima líbia e agentes dos centros de detenção deste país. Quanto a este último aspeto, um relatório do alto-comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra’ad Al Hussein, divulgado ontem revela que “milhares de homens, mulheres e crianças emaciados, traumatiza­dos, sem espaço para se mexerem, fechados em hangares e sem qualquer acesso a necessidad­es básicas”.

Estão hoje 20 mil pessoas nos centros de detenção em Tripoli.

Vendido duas vezes

A reportagem da Newsweek recolhe o depoimento de um jovem adulto da Guiné que disse ter sido “vendido duas vezes”. Na primeira, “fui vendido a um árabe, que me obrigou a trabalhar para ele e a telefonar à minha família a pedir dinheiro para pagar um resgate”. Como isso não sucedeu, o primeiro árabe vendeu o guineense a “outro árabe”, para o qual teve também de trabalhar, só ficando livre quando a família pagou o resgate.

A mesma reportagem refere que também as mulheres são vendidas em leilões de escravos e que o seu preço é superior ao dos homens. Além de forçadas a trabalho escravo, são vítimas de abusos sexuais.

Por seu lado, o relatório da OIM divulgado em abril revela que os traficante­s, na fase inicial da viagem, durante a travessia do deserto do Sara, costumam negociar com grupos armados que raptam os migrantes para depois pedirem resgates, a serem pagos por transferên­cia viaWestern Union ou Money Gram. Quando não são pagos os resgates, os migrantes são vendidos como escravos ou ficam sem comida.

Um outro relatório da OIM, da semana passada, indica que o maior número de mortes de migrantes sucede na travessia do Sara, estimando que seja agora o dobro do número de pessoas que já perderam a vida este ano na travessia do Mediterrân­eo: 2750.

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em Garyan
Centro de detenção de migrantes em Garyan
 ??  ?? Grupo de migrantes num centro de detenção em Tripoli. Sobreviver­am ao deserto e aos traficante­s, agora aguardam o repatriame­nto
Grupo de migrantes num centro de detenção em Tripoli. Sobreviver­am ao deserto e aos traficante­s, agora aguardam o repatriame­nto
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