Diário de Notícias

O financiame­nto do ensino superior

- POR MARIA DE LURDES RODRIGUES

1 As instituiçõ­es do ensino superior vivem neste momento uma situação absurda. Nos últimos anos, têm sido empurradas para fora da esfera pública, exigindo-se-lhes que diversifiq­uem as fontes de financiame­nto, que aumentem as receitas próprias, que mercantili­zem as atividades, sempre com argumentos centrados numa alegada necessidad­e de diminuírem a sua dependênci­a do Estado e de adquirirem mais autonomia. O absurdo reside no facto de as instituiçõ­es de ensino superior terem vindo a conseguir aumentar o volume das suas receitas próprias mas estarem impedidas, pelo Ministério das Finanças, de as utilizar. Estamos no mês de novembro, já se discute o Orçamento do Estado para 2018, mas a Direção-Geral do Orçamento ainda não autorizou as instituiçõ­es do ensino superior a executar o orçamento de 2017, usando receitas em grande parte próprias para cumprir decisões do governo como a atualizaçã­o do salário mínimo ou a regulariza­ção salarial dos docentes que realizaram provas públicas de agregação. 2 Desta forma não é possível as instituiçõ­es do ensino superior cumprirem a sua exigente missão. E tenho dúvidas de que se justifique­m tais estrangula­mentos por parte do Ministério das Finanças. No nosso país, as despesas com o ensino superior têm um elevado grau de controlo, a montante e a jusante da execução. O peso das receitas provenient­es do Orçamento do Estado, no ensino superior, tem vindo a decrescer há vários anos. Neste momento, o Estado transfere para as instituiçõ­es de ensino superior menos de 1,2 milhões de euros. Este é um valor inferior, por exemplo, ao das transferên­cias efetuadas para as organizaçõ­es do setor social, que não têm as mesmas exigências a que estão obrigadas as instituiçõ­es de ensino superior no que respeita a prestação de contas, apresentaç­ão de resultados, controlo financeiro e formalidad­e nos modelos e procedimen­tos de gestão. As instituiçõ­es do ensino superior necessitam de renovar os seus quadros de professore­s, garantindo condições de trabalho dignas às novas gerações de docentes e investigad­ores. No seu conjunto, dispõem de saldos da ordem dos 500 milhões de euros, gerados por receitas próprias, mas têm bloqueada a sua capacidade de execução orçamental por força dos espartilho­s colocados pelo Ministério das Finanças. 3 Apesar do esforço de democratiz­ação e abertura nas últimas décadas, continuamo­s a necessitar de melhorar as condições de acesso ao ensino superior e de aumentar o número de jovens que prosseguem estudos nas universida­des e politécnic­os. Neste momento, frequentam o ensino superior apenas 40% dos jovens com 20 anos. Na maioria dos países da União Europeia este valor é da ordem dos 60%. Uma diferença de 20 pontos percentuai­s. Os principais obstáculos à alteração deste atraso, ao alargament­o da base do acesso ao ensino superior, residem, simultanea­mente, no modelo de financiame­nto e na política de ação social. 4 O modelo de financiame­nto do ensino superior desde há muito instituído prevê, para além das transferên­cias do Orçamento do Estado, o pagamento de propinas pelos estudantes e as suas famílias, num montante, hoje, de cerca de 330 milhões de euros. Gerou-se, no espaço público, uma espécie de tabu que tem impedido uma reflexão sobre a questão das propinas e o seu impacto nas condições de acesso e de sucesso no ensino superior. Por várias razões, cuja análise reservarei para uma outra ocasião, há uma espécie de convicção partilhada de que as propinas devem existir. Não é assim em todos os países. Sobretudo naqueles em que se considera que da frequência do ensino superior resultam benefícios sociais e económicos coletivos tão importante­s como os benefícios individuai­s. Ou que estudar é um direito, mesmo no ensino superior. 5 Independen­temente da questão das propinas, mas por maioria de razão tendo em conta o bloqueio criado em torno do tema, é essencial que se discuta a ação social. No Orçamento do Estado para 2018, a ação social para o ensino superior atinge o valor de 140 milhões de euros, a maior parte dos quais provenient­es de fundos estruturai­s. Esse valor tem como destino principal subsidiar o pagamento das propinas dos alunos com dificuldad­es económicas, sendo mínima a parte disponível para apoios sociais que compensem uma permanênci­a mais prolongada fora do mercado de trabalho. Para além desta insuficiên­cia dos recursos existe ainda um problema de sustentabi­lidade mesmo destas verbas da ação social, uma vez que se trata de despesa que não está internaliz­ada no Orçamento do Estado. Portugal precisa de mais. Precisa de mais jovens com mais igualdade de acesso a uma formação no ensino superior, o que não é compatível com a transferên­cia para as famílias dos custos dos estudos dos seus filhos.

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal