O cerco financeiro aperta-se ao governo de Maduro
Crise. Incumprimento do pagamento de títulos de dívida é a ponta do icebergue, mas presidente venezuelano nega perspetiva de falência
A criminalidade acompanha as dificuldades dos cidadãos: num país em que comprar um pneu custa o equivalente a cinco ordenados mínimos, os automóveis parados na via pública são um alvo, como aconteceu no domingo à noite com os veículos da Universidad Centroccidental Lisandro Alvarado, em Barquisimeto, cidade de dois milhões de habitantes. Um pequeno exemplo de um país mergulhado numa crise política, económica e financeira, que teve como mais recente capítulo o incumprimento no pagamento de 200 milhões de dólares correspondentes a dois empréstimos.
A primeira consequência do calote foi a revisão em baixa, por parte da agência de notação creditícia Standard & Poor’s, da classificação da dívida soberana a longo prazo para incumprimento parcial, além da declaração de default relativa aos empréstimos em causa. O presidente venezuelano já antecipara o problema no programa de televisão Os Domingos com Maduro. “Especula-se que a Venezuela irá declarar falência. Nunca. A falência nunca será declarada”, comentou, para depois dizer que a estratégia da República Bolivariana passa por “renegociar e refinanciar toda a dívida externa”.
A dívida soberana da Venezuela e da petrolífera estatal PDVSA ascende a 150 mil milhões de dólares. A maior parte da dívida pertence a credores privados (cerca de um terço), seguido da China e da Rússia.
Na segunda-feira, o governo venezuelano reuniu-se durante 25 minutos com credores e seus representantes (entre cem e 300 pessoas, consoante as fontes). “Um sucesso retumbante”, qualificou o governo socialista no final do encontro. “Não aconteceu nada de substância”, contrapôs à Reuters Raymond Zucaro, da RVX Asset Management. “O paciente continua num sistema de suporte de vida”, completou o executivo, que não se deslocou de Miami a Caracas.
Os principais negociadores da dívida, o vice-presidente Tareck El Aissami e o ministro da Economia Simón Zerpa, são acusados de tráfico de droga e corrupção pelos EUA, pelo que os norte-americanos que participem num acordo arriscam uma pena até 30 anos de prisão e cinco milhões de dólares de multa, e as empresas até dez milhões de dólares. Além disso, as sanções decretadas pelo presidente norte-americano, Donald Trump, ao regime de Nicolás Maduro bloqueiam a emissão de nova dívida venezuelana. Maduro atribui a responsabilidade da crise à “guerra e às sanções do império norte-americano”.
O governo venezuelano também criticou a União Europeia. Bruxelas aprovou um embargo ao comércio de armas e dispositivos de vigilância e prevê sanções individuais a políticos e militares responsáveis por ações antidemocráticas. As medidas são “graduais e flexíveis”, ou seja, podem reverter-se. Caracas vê as sanções como “ilegais, absurdas e ineficazes” e uma “vergonhosa submissão aos ditames do governo dos Estados Unidos”.