Quando os extraterrestres vieram visitar Spielberg
Clássico. “Não estamos sós”, dizia o cartaz do filme Encontros Imediatos do Terceiro Grau que chegou às salas escuras há 40 anos
Em Portugal, o filme de Steven Spielberg só teve estreia em março de 1978, como surge aqui no cartaz do DN
Quando percorremos a história de Hollywood, há datas que sinalizam e condensam algumas transformações radicais. Por exemplo, 1927, com O Cantor de Jazz, primeiro fenómeno do cinema sonoro; 1939, com E Tudo oVento Levou, síntese admirável da epopeia literária e do Technicolor; 1969, com Easy Rider, símbolo da “contracultura” dos anos 60 e também dos valores da produção independente. Chegamos a 1977 e tudo parece apontar para o fenómeno Star
Wars (que, na altura, entre nós, ainda tinha direito à tradução A Guerra das Estrelas): foi a 25 de maio que se estreou o primeiro título da saga de George Lucas. Mas importa reorganizar os nossos arquivos cinéfilos e recordar também que no dia 15 de novembro – faz hoje 40 anos – Nova Iorque assistia à primeira exibição pública de Encontros Imediatos do Terceiro Grau, de Steven Spielberg. O filme, que em Portugal estrearia apenas em março do ano seguinte, será exibido na Cinemateca no próximo dia 20, às 21.30.
Nunca foi segredo o facto de a história dos extraterrestres que visitam o planeta Terra ter as suas raízes em memórias remotas de Spielberg. No documentário The Making of Close Encounters of the Third Kind, produzido em 1997, o cineasta cita mesmo como primordial inspiração o facto de, ainda criança, ter assistido com o pai, em Nova Jérsia, a um desses fenómenos naturais normalmente identificado como “chuva de meteoros”. No filme, a contemplação da imensidão do céu envolve mesmo um misto de solidão e expectativa: daquele universo sem fim algo vai aparecer... Ou como dizia a frase promocional do emblemático cartaz de lançamento do filme: “We are not alone” – não estamos sós.
Com o passar dos anos, foi-se tornando cada vez mais evidente que este é mesmo um dos filmes mais pessoais de Spielberg. Nele encontramos a depurada expressão de um tema visceral do seu universo: a disponibilidade infantil para contemplar o mundo, mesmo nos seus contrastes mais assustadores, como uma promessa de encantamento. A célebre imagem do pequeno Barry (Cary Guffey), admirando as luzes “ameaçadoras” que se manifestam à porta de sua casa, resume a ambiguidade da fábula: os extraterrestres constituem a mais estranha das visitas, mas é o próprio Barry que, alheado do medo dos adultos, os convoca.
Daí que seja discutível a inscrição automática de Encontros Imediatos do Terceiro Grau na vaga de ficção científica que, para o melhor e para o pior, tinha começado a contaminar os instrumentos técnicos e as opções artísticas do cinema americano. Aliás, em 1982, com E.T., o Extraterrestre, Spielberg encenaria uma história também de um “encontro imediato”, tratando o inesquecível E.T. como um irónico duplo das personagens infantis.
Cenários naturais
O filme constituiu um invulgar desafio de produção, contando com um sólido orçamento de 20 milhões de dólares, valor, para a época, francamente acima da média. Mais do que isso: o estúdio produtor, Columbia, deu total liberdade criativa a Spielberg, já que, em 1975, ele tinha passado para a linha da frente da indústria graças ao fenomenal sucesso de Tubarão, rodado com apenas 9 milhões (para A Guerra das Estrelas, Lucas teve 11 milhões). Douglas Trumbull, que trabalhara com Stanley Kubrick em 2001: Odisseia no Espaço (1968), foi o responsável pelos efeitos especiais do filme, tendo à sua disposição 3,3 milhões do orçamento global – rezam as crónicas da época que ele considerava que, só com esse dinheiro, teria sido
possível fazer uma segunda longa-metragem.
Seja como for, para o impacto visual do filme, os cenários naturais revelar-se-iam decisivos. Lembrando as dramáticas dificuldades encontradas durante as cenas do oceano em Tubarão, Spielberg começou por resistir a tal hipótese, mostrando-se empenhado em trabalhar o mais possível em estúdio. O certo é que acabou por compreender que um certo realismo dos lugares era essencial ao impacto da ação, tendo filmado em particular na zona da Torre do Diabo, no estado doWyoming, a formação rochosa que vai obcecando o pai do pequeno Barry (Richard Dreyfuss), funcionando como elo espiritual com os extraterrestres.
Encontros Imediatos do Terceiro Grau foi um dos grandes sucessos de 1977 nas salas dos EUA, surgindo no terceiro lugar do top de receitas, depois de A Guerra das Estrelas e Os Bons e os Maus, uma comédia com Burt Reynolds. Curiosamente, o filme acabou por ter uma vida comercial dupla. Ou tripla. Isto porque, um ano mais tarde, dificuldades financeiras levaram a Columbia a pedir a Spielberg que fizesse uma nova versão – com um final em que é revelado o interior da nave dos extraterrestres –, de modo a que o filme pudesse ser relançado, garantindo um índice de receitas fundamental para o estúdio. Spielberg assim fez, vindo a declarar-se profundamente arrependido – a sua versão pessoal e definitiva, identificada como collector’s edition, só seria comercializada em 1998.